Desde ontem que estou para escrever sobre a morte de João Martins Pereira, mas tantos já o fizeram que me dispenso de referir mais detalhes ou de tecer mais elogios - merecidíssimos por muitos que sejam.
Conheci-o relativamente bem, não sei quando, nem sei como, certamente na década de 60. Em grupos que se faziam e se desfaziam, em alianças de esquerdas várias que ainda se degladiavam pouco, conspiravam muito, discutiam noites inteiras dentro de nuvens de fumo e se divertiam o mais que podiam (e que não era pouco).
Já em pleno PREC, numa das muitas manifestações que tinha acabado de sair do Terreiro do Paço, não sei se a caminho de S. Bento, se do República ou de um outro qualquer pólo de contestação, eu gritava, como toda a gente à minha volta, um slogan que falava de camponeses e de operários. Alguém, parado à beira do passeio, travou-me o passo, deu-me um abraço e disse-me: «Ah! grande camponesa!». Era o João Martins Pereira.
Lembrei-me da ironia daquele abraço, a propósito de um texto seu, publicado em 1980 na Gazeta do Mês, e que foi hoje recordado:
«A condição feminina é-me exterior, como o é, num outro plano, a condição operária, a mim, intelectual de extracção burguesa. Libertar-me do complexo de “não ser operário” não é distanciar-me do problema da exploração.»
Sempre lúcido e frontal, com uma ironia subtil, acutilante, um tanto ácida. Era assim o João.
Conheci-o relativamente bem, não sei quando, nem sei como, certamente na década de 60. Em grupos que se faziam e se desfaziam, em alianças de esquerdas várias que ainda se degladiavam pouco, conspiravam muito, discutiam noites inteiras dentro de nuvens de fumo e se divertiam o mais que podiam (e que não era pouco).
Já em pleno PREC, numa das muitas manifestações que tinha acabado de sair do Terreiro do Paço, não sei se a caminho de S. Bento, se do República ou de um outro qualquer pólo de contestação, eu gritava, como toda a gente à minha volta, um slogan que falava de camponeses e de operários. Alguém, parado à beira do passeio, travou-me o passo, deu-me um abraço e disse-me: «Ah! grande camponesa!». Era o João Martins Pereira.
Lembrei-me da ironia daquele abraço, a propósito de um texto seu, publicado em 1980 na Gazeta do Mês, e que foi hoje recordado:
«A condição feminina é-me exterior, como o é, num outro plano, a condição operária, a mim, intelectual de extracção burguesa. Libertar-me do complexo de “não ser operário” não é distanciar-me do problema da exploração.»
Sempre lúcido e frontal, com uma ironia subtil, acutilante, um tanto ácida. Era assim o João.
2 comments:
Talvez, afinal, a verdade de cada momento esteja um nadinha para lá da realidade. Adeus, João.
Nuno Brederode Santos
Será com afecto que o Nuno Brederode dos Santos se refere àquele depois ou daquele além da realidade. Eu não sei bem o que a verdade de cada momento (a não ser no campo da autenticidade, do não escondido, do não jogado no campo das relações humanas). Mas admito que seja algo, de tipo mais objectivo, que se mostre (e exista) num depois ou num outro espaço. A história do Marx, com a sua história da anatomia do homem e do macaco, talvez tenha um pouquito a ver com isso.
O que se transcreve do Martins Pereira, além da expressão do seu humor, é algo emocional, será o desgosto de não ser aquele operário, aquele camponês, aquele elemento do povo das nossas ficções. É o que me parece. E não o sendo, operário, etc..., quem viveu esse tempo sentiu, algumas vezes, tal desgosto.
Só, e aqui eu tento responder a mim mesmo e a quem me acompanha, ao mesmo tempo que penso na citação do Martins Pereira, é o seu exterior que lhe marca a natureza e o que permite ver a projecção desse interior. Desse interior onde não estivemos.
Benditos, os burgueses que fomos.
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