Hans Küng, teólogo suíço actualmente com 80 anos, consultor do Concílio Vaticano II que viveu com o maior dos entusiasmos, foi tendo cada vez mais conflitos com o Vaticano a partir do fim da década de 60. Por ter posto em causa a infalibilidade do papa, foi proibido de ensinar teologia.
Esteve em Portugal em 1967, onde fez duas conferências, uma em Lisboa e outra no Porto, organizadas por uma revista ligada à Editora Moraes. Não me lembro do que disse, mas sim do sucesso do acontecimento: segundo relato da PIDE, destacada para o evento, que vim a encontrar muito mais tarde na Torre do Tombo, teriam participado 1.200 pessoas em Lisboa e 600 no Porto - o que é um número absolutamente excepcional, para a época e para as circunstâncias.
Acontece que hoje reencontrei H. Kung, num artigo intitulado «Se Obama fosse papa», que merece ser lido (*). Nada «meigo», diria mesmo que muito violento nas críticas que faz a Bento XVI: compara-o insistentemente a Bush e critica-o severamente pela recente reabilitação de quatro bispos «arquireaccionários», entre os quais um que põe em causa o Holocausto. «Enquanto o Presidente Obama, com o apoio do mundo inteiro, olha para a frente e está aberto às pessoas e ao futuro, este Papa encaminha-se o mais para trás possível, inspirado por um ideal de igreja medieval, céptico sobre a Reforma, ambígua sobre os direitos modernos de liberdade.»
E, no entanto, diz Hans Küng: «O Papa teria um trabalho mais fácil do que o Presidente dos Estados Unidos ao adoptar uma mudança de rumo. Não tem ao seu lado nenhum Congresso como corpo legislativo, nem um Supremo Tribunal como magistratura. É chefe absoluto do Governo, legislador e juiz supremo na Igreja. Se quisesse, poderia autorizar imediatamente a contracepção, permitir o casamento dos padres, tornar possível a ordenação de mulheres e permitir a eucaristia partilhada com as Igrejas Protestantes.»
Mas porque não acredita que Ratzinger alguma vez venha a ser um Obama, termina com um apelo a bispos, teólogos, párocos e mulheres para que unam os esforços necessários e que digam, eles também: «Yes, we can!».
É um belo texto de um homem que se mantém, há décadas, na primeira linha de lutas, por vezes duríssimas, mas que são as suas e de que nunca quis desistir.
(*) Cheguei ao texto através da MC.
3 comments:
Qualquer dia chamam-me profeta da desgraça...
Mas, se um Obama fosse Papa, poderia acontecer-lhe como terá acontecido a João Paulo I.
Além disso dificilmente chegaria a ser Papa, atendendo a que João Paulo II, que dirigiu a Igreja durante 24 anos, deixou o terreno minado com uma franca maioria de cardeais conservadores que saberiam precaver-se contra surpresas.
A menos que lhes saísse o tiro pela culatra, como lhes aconteceu quando escolheram papas "de transição", que acabaram por levar o seu cargo a sério. Refiro-me a João XXIII e a João Paulo I.
:)
Obrigada, Joana, por completar desta forma o meu mero link para o blogue do Marco. Gosto destes "encadeamentos". :)
Hans Kung é um grande homem da Igreja. Infelizmente, não viu em relação à sua pessoa, a "bondade" da Igreja. E qual foi o seu "crime" pôr em causa a infalibilidade papal. Uma coisa que basta um mínimo de bom senso para pôr em causa.
Mantém com o papa uma rotina epistolar (segundo o próprio H. K.), que como à boa maneira da Igreja católica, fica em privado.
No meu caso pessoal, sem "divinizar" pessoas, é este e outros, como outras situações íntimas, uma causa para me manter católica.
Abraço, Joana
Se Obama fosse papa, Francis Bacon haveria de o pintar. Se este fosse vivo, claro.
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