16.3.09

«Há por aí diferentes queixumes»

... disse o Presidente do Conselho alguns dias depois do golpe das Caldas, numa das suas «Conversas em Família».

Exactamente há 35 anos, em 16 de Março de 1974, uma tentativa falhada acabou por funcionar como balão de ensaio, como uma espécie de último treino indesejado para o 25 de Abril.

Entre as duas datas, ficou célebre um Sporting – Benfica, em que uma grande parte dos espectadores aplaudiu de pé Marcelo Caetano quando este apareceu na tribuna de honra - eu vi, eu estava lá. Certamente muitos que, alguns dias mais tarde, puseram cravos em espingardas e engrossaram a multidão do 1º de Maio.

E daí? Nada. É destas pequenas histórias que é feita a História – de humanos, não de anjos nem de heróis.

7 comments:

Anónimo disse...

"Ó pastor que choras
o teu rebanho onde está?
Deita as mágoas fora,
carneiros é o que mais há!

Uns de finos modos,
outros vis por desprazer.
Mas carneiros todos,
com carne de obedecer!

(...)"

É de humanos que a história é feita. Só que muitos (mas mesmo muitos!) desses humanos estão a um nível de dignidade muito baixo!!!

Paulo disse...

Apenas como reflexão:
Muitos dos que aplaudiram no Estádio Sua Exa, terão estado nas ruas no dia 25/4 e, seguramente, no primeiro 1º de Maio. A seguir, no Porto, enchendo a Praça dos Aliados numa recepção a Spínola, mas depois contra a Maioria Silenciosa e Spínola em Setembro. No 11 de Março, pela nacionalização da banca, o MFA e o avanço da Revolução, contra os "excessos" e Vasco Gonçalves na Fonte Luminosa.Nos assaltos às sedes partidárias, no cerco à Constituinte, nas manif dos SUV e, mais tarde, enrolando as bandeiras e os sonhos. Claro que não terão sido os mesmos em todas, mas que terá havido muitas sobreposições, disso não tenho dúvidas. Porque em momentos assim esta "volatilidade" das massas é uma constante.
Cumprimentos.

Joana Lopes disse...

Não vejo a coisas tão negras, Jorge, nem ponho TUDO no mesmo saco, Paulo: só para dar um exemplo, quem esteve na Fonte Luminosa não terá participado na manifestação dos SUV's...

O que quis dizer com os aplausos no futebol e o entusiasmo na rua um mês depois foi que não é de estranhar que pessoas anestesiadas durante décadas sejam «arrastadas» por fenómenos de massas.

septuagenário disse...

Tanta gente que nunca foi ao futebol!

Anónimo disse...

bemos hoje que Marcelo Caetano, quando falava dos “diferentes queixumes” ,sabia que o seu regime estava condenado. Não creio que o falhanço do 16 de Março lhe tenha mudado tal previsão. Ele próprio conta (e eu não vou procurar o livro em que o faz), que tinha, chegado a casa muito cansado e uma vez enfiado na cama, tinha começado a ler o livro do Spinola. Acabou-o lá pela madrugada e que “viu”, então, que as coisas estavam a chegar ao seu fim. Não era difícil ver tal coisa. Com aqueles Kaulzas, Spinolas, e umas quantas tropas descomandadas. E com aquele Spinola chegando-se à frente, com o seu futuro de Portugal nas mãos.
Como lhe teria sabido a ovação no estádio do Sporting e o que teria pensado, no momento, aquele homem desencantado?
Parece-me que nos cabe fazer, sempre, uma distinção entre o Marcello e o Salazar. Que não se diga Salazar, quando se pronuncia Marcello Caetano. Nem sequer um é uma continuação linear do outro.
Há sempre multidões, maiores ou menores, para todas as manifestações. Essa do estádio do Sporting era expectável pelo poder, foi talvez mesmo cuidada a sua teatralização. Possivelmente era até um jogo que ajudaria a que se criasse uma boa animação. As pessoas estavam ali e para melhorar uma imagem afectada pela tentativa de golpe, Marcello Caetano aparece. A honra recebida, o estar ali no seu estádio e no seu jogo, o contágio fácil duma saudação lá deu lugar à ovação. Impressionante. Se em vez de Caettano, fosse o presidente do Sporting, em má hora clubística, a recepção seria outra.
Muitas das manifestações foram aumentadas por franjas que lhes eram comuns. É natural, e não vou alongar conversa sobre isso.
Eu não quero diminuir o primeiro 1º de Maio. É uma data com enorme carga afectiva e política. Mas, e lá vou eu ser desavergonhamente herético, nesse dia quantas pessoas ficaram em casa, e dessas quantas a tremer de medo à espera das mais horrendas coisas? Nos fins dos anos 40, por dever de amizade, fui a algumas festas de Santos populares em Lisboa. A multidão era imensa, corria-se o risco, não pequeno, de ser esmagado, etc. E porque aparecia tanta gente nessas festas? No 1º de Maio, avanço eu, foi a festa, foi a novidade, foi a esperança, foi, coisa mais feia, uma afirmação contra os caídos, o manguito, foi o efeito de agregação que as multidões provocam... Foi tudo isto, talvez.
Durante o PREC, eu dizia que não eram os revolucionários que faziam a Revolução, mas sim a Revolução que fazia os revolucionários. E, nessa linha, muitos dos manifestantes que então apareciam talvez fossem mais operados pelo PREC do que tenham sido, verdadeiramente, seus agentes.
E aqui vos deixo, pela certa, sem grande saudade vossa.

José Meireles Graça disse...

José de Sousa:
Não sou dono do blogue e por isso não tenho que alvitrar em casa alheia, mas mesmo assim arrisco: Por mim, pode aparecer, porque o li com gosto.

Anónimo disse...

Repito por falta do nome de que peço desculpa

Obrigado, JMG. Pode oferecer a casa da Joana sem risco, que ela não a fechará. Com a sua generosidade em relação à minha prosa, fez-me lembrar uma história. Atenção, história que não o retrata.
O Victor Hugo era um homem muito avarento e, num tempo em que esteve afastado de França (Napoléon le Petit) e gozando da hospedagem duma senhora qualquer, acedeu em receber o Magalhães Lima.
A questão da pena de morte contou para essa "recepção". O Magalhães Lima apareceu e durante toda a conversa salivou por um livro do Hugo, oferecido e dedicado por esse mesmo Victor Hugo. O livro não apareceu, mas quando o acompanhou, à saída da casa, Hugo arranca uma rosa do jardim que não era dele e ofereceu-a a Magalhães Lima. Não trouxe, pois, um livro do Victor Hugo, trouxe uma rosa da senhora que o hospedava.