27.4.09

Como foi o 25?














A Cristina pediu a dezenas de pessoas, num post com 50 links, que descrevessem o seu 25 de Abril de 74. Porque não?
O meu foi semelhante ao de muitos milhares de portugueses que não estavam na tropa nem andavam na escola primária.
Acordada por volta das cinco da manhã por um telefonema, liguei o rádio, fiz uns telefonemas, percebi que era pedido que ninguém saísse de casa e saí – o primeiro acto de desobediência às novas autoridades que ainda não o eram.
Fui ter com amigos, reunimos máquinas fotográficas e respectivos rolos, deambulámos de carro pela cidade. A meio da manhã estávamos já na Baixa, às 11:00 tirámos a primeira foto (a que está ali em cima), no Largo do Corpo Santo, não sem termos perguntado a alguns soldados o que se passava – que não sabiam, que estavam com Salgueiro Maia e que desta vez é que era.
Tudo se foi encaminhando para o Carmo e nós também. Ao longo do dia, a espera, as dúvidas, os boatos, o megafone de Francisco Sousa Tavares – e já os cravos, o que viria a ser o hino do MFA, Grândola.
Pelo meio algumas corridas, evacuação do Largo quando se pensou que o quartel não se renderia a bem, últimos feijões do fundo de uma panela numa tasca do Largo da Misericórdia, pelo mais total dos acasos na companhia de José Cardoso Pires – o carro estacionado mesmo em frente, com as quatro portas abertas para o que desse e viesse.
Regresso ao Carmo, o desenrolar de tudo o que se sabe, o poder que Marcelo Caetano não quis deixar cair na rua antes de sair de chaimite, os gritos sem fim de vitória e liberdade que se cravaram na memória e ainda hoje fazem arrepiar.
O longo serão à espera do comunicado da Junta de Salvação Nacional, o contraste entre o seu sinistro cinzentismo e a força da rua que tinha ficado colada à pele.
A ansiedade e a festa em frente da sede da PIDE e à porta da prisão de Caxias – mas isso ficou para o dia 26.

Falta a fatídica pergunta: «Foi o dia mais importante da tua vida?» E a reposta que se esperaria: «Sim, excepto o dia x e o dia y, por razões de ordem pessoal».
Excepto coisíssima nenhuma.

9 comments:

Jorge Conceição disse...

Também tinha lido esse desafio no blogue "Contra Capa" e estive vai-não-vai para escrever. Não o fiz, mas faço-o por aqui. E isto porque o meu 25 de Abril de 1974 foi o daquela pequeníssima minoria lisboeta que não andou no Carmo, na Baixa ou na Penha de França. Esse dia, apesar de também para mim ser o mais importante da minha vida, ficará registado também como um dos que mais lamento não ter vivido nas ruas, sobretudo pela frustação de o não ter comungado com as pessoas que afluíram em contra-ordem.

Depois de ter sido acordado de madrugada pela minha mãe (que figuradamente me avisou "anda de novo lá fora o leão de Rio Maior"), pus-me à escuta das notícias e... fui trabalhar! Regressado há pouco tempo da Guerra Colonial, trabalhava desde Janeiro no Metropolitano, o meu primeiro trabalho "a sério". Aí o meu então chefe (de direita, como o então eram a maioria dos chefes) deu-me sarcasticamente os parabéns: "era isto que queria, não era?". Passado pouco tempo disse-nos que a Empresa ia fechar as portas e que nós deveríamos ir embora. E eu, em vez de ir para a baixa, fui para casa com a ideia estúpida (reminiscências dos quatro anos de vida militar...) de que, para as operações surtirem efeito, estas não deveriam ter obstáculos civis. Neste caso talvez tenha sido o oposto.

Em casa estàvamos vários familiares a acompanhar pari passu os acontecimentos pala rádio e pela TV. E sobretudo uma cunhada minha, então maoista como o meu irmão com ela casado, com a qual tive um suplício de horas de discussão idiota, pois ela baseava todas as suas apreciações no "avntureirismo pequeno-burguês" que brincava às revoluções retirando ao povo a sua missão histórica. Pelo mesmo raciocínio esse meu irmão, na altura oficial miliciano na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas, recusou-se a participar em mais brincadeiras pequeno-burguesas e ficou preso no quartel, enquanto que a bataria de Vendas Novas fora ocupar posições para o Cristo Rei...

Enfim, um dia de grande felicidade e também de enorme frustação pessoal, tanto mais que na noite de 24 tive um jantar e convívio com amigos, um dos quais, no momento da despedida pela meia noite e meia hora, nos disse "é verdade... ainda não vos disse que está prevista uma revolução militar para esta madrugada!"

Só uma pequena nota sem interesse (apenas poderia interessar aos militares...): vendo a foto do "post" em tamanho maior, verifico que o carro que está por detrás da Joana não é uma Chaimite, como "tuitou" no dis 25, mas uma Panhard. A Chaimite é um carro de combate ligeiro, de pneus. Este é um tanque de lagartas, embora de média dimensão.

Jorge Conceição disse...

Já não fui a tempo de corrigir a nota sobre o carro de combate. Não se trata duma Panhard, mas dum tanque M5A (presumo).

Cristina disse...

Obrigada Joana.

o 25 no coração da luta :) eu não estive no Carmo. Fiquei-me lá por cima (penha da França) com a familia, e um bocado dividida entre os apoiantes e o que parecia estar a viver um pesadelo, o meu pai. Até hoje. :))


Jorge Conceição

gostei muito de o ler e com muita pena que não tenha escrito no CC.
essa é uma descrição que veio das entranhas....

um beijo

Joana Lopes disse...

Jorge,
Obrigada pelas precisões quanto aos carros de combate.
E como entendo a sua frustração por ter ficado em casa! Se não tivesse vivido esse dia na rua, sentiria que me faltava uma talhada da vida.

Joana Lopes disse...

Cristina,
Agora tem de fazer uma antologia dos que responderam ao seu desafio - a bola do seu lado!

José Fernando Magalhães disse...

Bem, eu sobre este desafio que me não foi dirigido, escrevi assim

http://atributos-1.blogspot.com/2009/04/onde-estavas-tu-jose-no-25-de-abril.html

Melhores cumprimentos

José Magalhães

Joana Lopes disse...

Fui ver o seu blogue, caro José Magalhães, e lamento por si que equipare a «opressão» que hoje vivemos à anterior ao 25/4. Nesse ponto, nós estamos nos antípodas.

José Fernando Magalhães disse...

Minha cara Joana Lopes,

A opressão, quando existe, pode e deve ser "comparada". Não há opressão boa e opressão má. Seja em que moldes for e em que intensidade seja executada, desde que exista, é má e por isso não deveria existir.
Precisamos de liderança, e precisamos de regras e normas, não precisamos de opressão nem de opressores, por pequena ou limitada, que seja, por muito escondidos em capas de democracia que estejam.

Cumprimentos

José Magalhães

CCF disse...

Pois é, também me desafiei...o que é engraçado é que quando me são dirigidos não costumo responder...
Gostei de a ler.
~CC~