21.5.09

Para além do cinema

Algumas horas depois de ter chegado a notícia da morte de João Bénard da Costa, vejo que quase todas as referências à mesma se limitam à acção na área do cinema. Foi provavelmente a sua maior paixão, entre as muitas que sempre cultivou, obstinada e exaustivamente.
Para mim é, sobretudo, menos um que resta dos que começaram a opor-se à ditadura porque eram católicos e por isso mesmo deixaram de o ser. Mais um que parte de uma família - a dele - absolutamente extraordinária, a quem devo «acolhimento» e caminho em comum numa das fases mais importantes da minha vida, mesmo se esta se encarregou depois de naturais afastamentos. Ficará para sempre ligado a intermináveis reuniões de «O Tempo e o Modo» e a discussões sobre problemas teológicos, que hoje parecem inverosímeis, em torno da revista «Concilium». Mas também a inesquecíveis férias na Arrábida dos anos 60 e, bem mais tarde, às páginas cúmplices de «Nós, os vencidos do catolicismo».
Vencidos nos sentiremos nós todos, certamente, quando nos reencontrarmos daqui a umas horas.

P.S. - Começa a aparecer uma ou outra voz de quem o conheceu - para além do cinema.

12 comments:

Paulo Topa disse...

Bem me parecia que havia mais qualquer coisa. Também tinha a ideia de haver ainda alguma coisa antes do 25 de Abril. Desvantagens de só ter um ano aquando do mesmo (facilmente compensadas com a vantagem de não ter vivido em ditadura).

Obrigado, pela nota.

Joana Lopes disse...

A morte d JBC era esperada há muito, até a Wikipedia traz umas coisas, mas os nossos jornalistas devem estar cansados...

Miguel Gomes Coelho disse...

Há que falar dele como professor muito bom que foi e deixou nos seus alunos marcas que em muitos casos perduraram pela vida fora.
Eu fui um deles e já dei conta disso logo pela manhã, mal soube da notícia.

Joana Lopes disse...

T. Mike, Muito obrigada. Já pus o link para o seu blogue.

José de Sousa disse...

Apoiado, Joana, por teres lembrado que o Bernard da Costa não foi só o homem da Cinemateca. Eu começava a sentir-me incomodado por o enfiarem apenas naquelas portas adentro.
Cavaco Silva fala dos seus discursos do 10 de Junho e das suas crónicas e pouco mais consegue dizer. Pudera, não foi ele que escreveu os Lusíadas. Os jornalistas, cansados ou não, mas seguramente muito ignorantes e muito ligeirinhos em quanto fazem, disseram umas coisas poucas. Sem significado.
Depois, impressiona-me como vão encurtando o passado das pessoas; estabelecem um início no 25 de Abril e só a partir do qual tal passado começam.
Bernard da Costa bem merece o trabalho de o recordar. Bem extensamente, à medida do homem.
Espero que o façam!

jorge moreira disse...

Naturalmente que há mais pessoas que não se esqueceram que Bénard da Costa não era só cinema.
A prova de que ele era respeitado por pessoas de quadrantes políticosn diversos está, por exemplo, na nota que Vítor Dias publicou no seu blogue onde refere que é «de registar também nesta ocasião que foi uma figura destacada do movimento dos católicos progressistas no combate à ditadura fascista e que, nesse quadro, com Jorge Sampaio, Sottomayor Cardia e outros democratas participou em Agosto de 1968, em Paris, numa importante reunião clandestina com Álvaro Cunhal e outros dirigentes do PCP. Aqui fica a minha homenagem e a solidariedade para com os seus familiares e amigos mais próximos.»

Jorge Conceição disse...

Quando foi da Revolução Francesa eu nem um ano tinha. Aliás ainda nem havia projecto para o nascimento dos meus avós. Mas sei que ela conteceu e até lhe conheço o conteúdo (julgo...).

Joana Lopes disse...

Jorge Conceição? Importa-se de explicar?

Jorge Conceição disse...

Joana: reacção emotiva à ironia de Paulo Topa, cujo alcance não terei alcançado.

Paulo Topa disse...

Não pretendia ser irónico. Embora, eventualmente possa ser assim entendido.

Queria dizer que, como só tinha um ano quando foi o 25 de Abril, não me apercebi (é lógico que poderia ter estudado depois, mas o movimento católico contra a ditadura parece-me pouco estudado e divulgado) da importância que João Bénard da Costa teve. Se tivesse vivido mais tempo durante a ditadura ter-me-ia, certamente, apercebido melhor. Assim, não conhecer tão bem o que sucedeu antes do 25 de Abril é uma desvantagem de não ter vivido nessa época. Contudo, é facilmente ultrapassada com a imensa vantagem de só ter vivido (em termos práticos) em democracia.

Aliás, parece-me que a imensa maioria dos "trintões" percebe muito pouco o que alguns católicos fizeram contra o regime salazarista. Em parte, isto é justificável com o facto da imensa maioria da "igreja" ter apoiado a ditadura.

Eventualmente, ter-me-ei expressado de uma forma algo dúbia.

Joana Lopes disse...

Eu tinha percebido que não era ironia, Paulo. Foi um mal-entendido para o Jorge. Tudo explicado agora.

Jorge Conceição disse...

Paulo e Joana: as minhas desculpas! Tenho de moderar os meus impulsos e de pensar ainda mais vezes antes de falar.

É natural que hoje pouco se saiba sobre esse grupo dos católicos progressistas (não obstante, por exemplo, a Joana ter dado um valiosíssimo contributo sobre a acção desse grupo não estatutário, particularmente na zona de Lisboa, com o seu livro que levou o mesmo nome deste blogue). É natural porque pouco a pouco a acção política desses católicos se "temporizou" e se fundiu com a de quem não se tinha definido como tal, isto é, deixou de ser importante a assunção de tal "qualidade". A acção da luta política contra o fascismo, sobretudo a partir de 69, passou a ser feita sem qualquer capa ou referência a um estatuto eclesial, suponho que apesar da Capela do Rato (mas não me posso pronunciar sobre este caso, pois não me encontrava então cá, mas em Moçambique...).