27.12.09

O jornalismo que (não) temos














Morreu Edward Schillebeeckx, um dos teólogos mais importantes do Concílio Vaticano II de feliz memória.

É bem provável que este nome nada signifique para 99,9% dos portugueses, mas António Marujo assina hoje um artigo no Público, onde a sua obra e respectiva importância são bem realçadas.

Com uma falha cujo motivo me escapa. Especialista em assuntos religiosos desde há muito, nem me passa pela cabeça que AM não saiba que a revista Concilium, da qual Schillebeeckx foi um dos fundadores e principais responsáveis (como vem referido na notícia do Público) existiu em Portugal, traduzida e editada pela Moraes, desde a sua origem em 1965, e que teve um papel decisivo na adesão dos católicos ao espírito conciliar e em tudo o que se seguiu. Mais: precisamente em ligação com a Concilium, Schillebeeckx esteve várias vezes em Lisboa e, em Abril de 1966, fez uma conferência sobre «A dolorosa experiência do Deus oculto», a que assistiram centenas de pessoas - bem vigiadas e controladas pela PIDE, com muitos agentes na sala. Isto está escrito em livros e a documentação sobre os colóquios da Concilium está disponível na biblioteca da Universidade Católica.

Se tivesse morrido um dos futebolistas coreanos que, no mesmo ano de 1966, meteu um dos dois golos contra Portugal, haveria certamente um jornalista desportivo que recordaria o facto. É assim…

(Foto: Lisboa, 1966 - Schillebeeckx, Karl Rahner e outros, com Helena Vaz da Silva, principal responsável pela revista Concilium.)

7 comments:

maria disse...

Tem toda a razão, Joana.

Ou as escolhas sobre derrubes do Papa etc.

maria disse...

só um pequeno reparo: o dia da morte foi a 23/12/2009

Miguel Marujo disse...

Joana, lê-se e não se acredita, mesmo... neste post. O título é malicioso quando aplicado ao único jornalista empenhado e sério que escreve sobre religião em jornais generalistas portugueses. António Marujo (sim, é meu irmão, e não me deu carta alguma de alforria para o defender, mas há coisas que me incomodam) escreveu provavelmente o único artigo aprofundado sobre Schillebeeckx, nestes dias da sua morte, mas leva com a piada do "jornalismo que não temos". Temos ali muito jornalismo, como a própria Joana admite: "António Marujo assina hoje um artigo no Público, onde a sua obra e respectiva importância são bem realçadas". A seguir vem a farpa, como se António Marujo tivesse alguma agenda escondida ao não contar esse episódio de 1966. Não há agendas escondidas, mas há aquilo que - quem desconhece como se faz um jornal não pensa nunca antes de atirar a primeira pedra -, se chama de "edição": um jornalista tem de editar, seleccionar, escolher, porque o espaço de um jornal é finito. E um jornal é um jornal, não uma enciclopédia. (António Marujo sabe bem o que é a Concilium, que esta existiu).

Joana Lopes disse...

A farpa é sua, Miguel - nunca me passou pela cabeça que o seu irmão tivesse uma agenda escondida. Em nome de quê?

Mantenho que estranho que, sabendo ele, como o Miguel confirma, da existência da Concilium, do papel de ES na mesma e da repercussão em Portugal, não tenha feito uma referência ao facto - duas linhas bastariam, ninguém está a falar de trabalhos enciclopédicos. E é em Portugal que ele escreve.

Miguel Marujo disse...

A farpa não é minha, Joana. O título do post diz tudo ao que vem. E falei da agenda escondida por uma frase que aponta para aí: "Com uma falha cujo motivo me escapa." - completada com a ideia seguinte. Mas esta visão "jornalística" de que "é em Portugal que ele escreve" é redutora do jornalismo que temos. De facto, o jornalismo vive da proximidade, mas hoje quase que se obriga a que um acontecimento fale para Portugal, para que esse facto seja acontecimento cá. Uma tragédia assume dimensões mais "trágicas" se houver um português à mistura. É uma escola, a de que escrevemos em Portugal. Mas também é reduzir a obra e vida de Schillebeeckx, se apontarmos como sinal do "jornalismo que (não) temos" a omissão de um episódio como o relatado.
Pegando na sua analogia (que me parece completamente despropositada) com os futebolistas coreanos, apenas digo: esses futebolistas norte-coreanos de facto só seriam notícia na morte por terem marcado um golo a Portugal; reduzir Schillebeeckx na hora da sua morte ao golo que marcou a Portugal, com a Pide na assistência, é que me parece pobre - e umbiguista. Assim, a peça do António foi ao âmago da obra de Schillebeeckx: da sua universalidade.

Joana Lopes disse...

Fique na sua, Miguel. Interprete as minhas intenções como entender, se isso lhe dá prazer.

Nuno Gaspar disse...

Não é só o Miguel que fica na dele Não sou irmão do António Marujo mas noto alguma maldade e preconceito no seu texto. Interessa-lhe dar a conhecer o trabalho de Schillebeecks em Portugal ou diminuir a peça do jornalista ? Não era você que se queixava no outro dia do estilo de superioridade de alguns que dizem mal de tudo e de todos?