Um texto de Vítor Trigo
A propósito da seguinte notícia: «Função Pública: Frente Comum exige suspensão de SIADAP e fim das quotas na progressão da carreira»
Aproveito para continuar o debate sobre "Professores, os nossos super-heróis?" (1) e (2). A certa altura, “ameacei” que acrescentaria algo sobre Carreiras, pois aqui vai:
No léxico da Gestão de Recursos Humanos (RH) é comum definir Carreira como uma sequência de conteúdos funcionais. É uma definição muito fria, aparentemente demasiado tecnocrática, mas de conteúdo apreciável: (1) sendo uma sequência, pressupõe continuidade, coerência, e consistência; (2) além disso, sugere algum conjunto de regras que normalizam a passagem de cada estado (nível) ao seguinte; (3) se tem conteúdos funcionais, é porque se relaciona com funções, as enquadra, determina de responsabilidades objectivas.
Como as empresas (organizações estruturadas, dotadas de meios, e perseguindo um conjunto de resultados comum) não existem para o desperdício, mas sim para a geração de valor (valor em sentido lato, claro), as Carreiras dos profissionais que nelas operam devem reflectir estes requisitos e estes propósitos. Em linguagem corrente diz-se que todo os meios de que as organizações dispõem devem ser “affordable”, ou seja, possíveis, suportáveis, justificáveis, adequados, etc.
E é aqui que quero chegar: (1) Só faz sentido manter carreiras que justifiquem as necessidades das organizações; (2) Faz todo o sentido alterar conteúdos funcionais quando as estratégias mudam, ou adequam as tácticas às circunstâncias; (3) A quantidade de meios (nomeadamente efectivos humanos) deve reflectir as necessidades conjunturais, sob pena de fatal desalinhamento da oferta com a procura.
Tenho sérias dificuldades em distinguir esta aproximação do que vulgarmente se designa por quotas. De facto, o número de efectivos por Nível de cada Carreira tem se ser “affordable”. Se assim não for, todo o equilíbrio, e sobrevivência, da organização corre o risco de ser posto em causa, e caminhar para o desastre. Isto interessa aos trabalhadores? É uma questão que só diz respeito ao patronato e aos dirigentes?
Nunca fui sindicalista, mas durante quase quatro décadas fui sindicalizado. Nunca entendi as razões que levam os sindicatos a se mostrarem “mais contra o patronato, do que a favor dos trabalhadores”, e sempre me questionei se esta não será a razão mais importante porque tantos trabalhadores não são sindicalizados, não participam em acções sindicais de esclarecimento, de orientação e formação profissionais, e até escarnecem dos “seus” sindicatos.
O mundo está em grande convulsão. O discurso e as práticas sindicais devem adaptar-se às novas realidades.
Não se trata de capitulação. Trata-se de rever as estratégias e os comportamentos que melhor garantam os interesses de quem trabalha por conta de outrem.
E a adequação do discurso é uma peça crucial.
Parece-me.
Aproveito para continuar o debate sobre "Professores, os nossos super-heróis?" (1) e (2). A certa altura, “ameacei” que acrescentaria algo sobre Carreiras, pois aqui vai:
No léxico da Gestão de Recursos Humanos (RH) é comum definir Carreira como uma sequência de conteúdos funcionais. É uma definição muito fria, aparentemente demasiado tecnocrática, mas de conteúdo apreciável: (1) sendo uma sequência, pressupõe continuidade, coerência, e consistência; (2) além disso, sugere algum conjunto de regras que normalizam a passagem de cada estado (nível) ao seguinte; (3) se tem conteúdos funcionais, é porque se relaciona com funções, as enquadra, determina de responsabilidades objectivas.
Como as empresas (organizações estruturadas, dotadas de meios, e perseguindo um conjunto de resultados comum) não existem para o desperdício, mas sim para a geração de valor (valor em sentido lato, claro), as Carreiras dos profissionais que nelas operam devem reflectir estes requisitos e estes propósitos. Em linguagem corrente diz-se que todo os meios de que as organizações dispõem devem ser “affordable”, ou seja, possíveis, suportáveis, justificáveis, adequados, etc.
E é aqui que quero chegar: (1) Só faz sentido manter carreiras que justifiquem as necessidades das organizações; (2) Faz todo o sentido alterar conteúdos funcionais quando as estratégias mudam, ou adequam as tácticas às circunstâncias; (3) A quantidade de meios (nomeadamente efectivos humanos) deve reflectir as necessidades conjunturais, sob pena de fatal desalinhamento da oferta com a procura.
Tenho sérias dificuldades em distinguir esta aproximação do que vulgarmente se designa por quotas. De facto, o número de efectivos por Nível de cada Carreira tem se ser “affordable”. Se assim não for, todo o equilíbrio, e sobrevivência, da organização corre o risco de ser posto em causa, e caminhar para o desastre. Isto interessa aos trabalhadores? É uma questão que só diz respeito ao patronato e aos dirigentes?
Nunca fui sindicalista, mas durante quase quatro décadas fui sindicalizado. Nunca entendi as razões que levam os sindicatos a se mostrarem “mais contra o patronato, do que a favor dos trabalhadores”, e sempre me questionei se esta não será a razão mais importante porque tantos trabalhadores não são sindicalizados, não participam em acções sindicais de esclarecimento, de orientação e formação profissionais, e até escarnecem dos “seus” sindicatos.
O mundo está em grande convulsão. O discurso e as práticas sindicais devem adaptar-se às novas realidades.
Não se trata de capitulação. Trata-se de rever as estratégias e os comportamentos que melhor garantam os interesses de quem trabalha por conta de outrem.
E a adequação do discurso é uma peça crucial.
Parece-me.
8 comments:
Comentário 1 de 3
Há um par de horas atrás, ouvi num dos diversos fóruns da rádio nacional, algo que ilustra o que quis dizer com o meu artigo de ontem, e que agora eu próprio comento, ou melhor, complemento.
Acerca da utilidade, ou mesmo interesse, dos 5000 estágios remunerados que o Governo anunciou, um dos intervenientes, que creio que se apresentou como Presidente da Associação dos Estudantes de Psicologia (se bem percebi), disse, mais ou menos, o seguinte:
1. Trata-se de medida avulsa que só vem aumentar a tendência para a actual precariedade do trabalho em Portugal. Os “empregos estáveis” rareiam cada vez mais. Não existem nem perspectivas de emprego nem de carreira;
2. Que futuro espera os cerca de 20 000 estudantes de Psicologia que frequentam as diversas escolas que ministram Psicologia em Portugal?
O que é que este tipo de postura tem a ver com o que escrevi sobre Carreiras?
Muito! Vejamos:
a. Confirma que se continua a pensar segundo a óptica “Uma Profissão para a Vida”. Neste caso concreto, estuda-se Psicologia tem de se ser Psicólogo para sempre. Ora, salvo melhor opinião, esta atitude parece pouco sensata. Hoje em dia, as empresas (os empregadores), conforme os mercados onde operam, não chegam a viver em média mais do que 10 anos. Como podem os trabalhadores por conta de outrem esperar trabalhar na mesma empresa, e na mesma profissão, durante os 40 anos, no mínimo, que antecedem a reforma? E que dizer sobre as profissões actualmente mais procuradas pelos empregadores, quando se verifica que a maior parte delas nem eram conhecidas há dez anos atrás?
b. Continua-se a pensar que “tirar” um curso superior “dá direito” a encontrar uma profissão estável. Ou ainda mais, que o Estado tem a “obrigação” de criar emprego para estes licenciados. Isto parece-me completamente irrealista por várias razões. Enumero algumas:
I. Os cursos superiores não existem só para preparar profissionais para uma profissão. São, também, ofertas de serviço de ensino para quem só pretende aprender. Isso mesmo, há pessoas que procuram formação, exclusivamente, pelo prazer de aprender. Incluo-me nesse grupo.
(Continua em 2 de 3)
Comentário 2 de 3
(continuação de 1 de 3)
II. Os cursos superiores não preparam profissionais, dotam pessoas com os “saberes” indispensáveis à construção do verdadeiro “conhecimento”, aos quais há que adicionar a indispensável “experiência”, que só o mercado possibilita. Simplificando, e sublinhando, Conhecimento = Saberes ‘ Experiência”. Na realidade, e passe a dureza da afirmação, os licenciados chegam às empresas aptos (alguns…) a aprenderem a ser profissionais úteis. Formei muitos, felizmente, e disso me orgulho.
III. Os Governos não podem prescindir do desenvolvimento dos cidadãos. Por isso comparticipam nos (elevados) custos da Educação. Mas não podem tratar os outros cidadãos, aqueles que não chegaram ao topo da formação académica, como cidadãos de segunda. Não se pode pensar que quem beneficiou de ter estudado tem garantia de subsistência e quem, por vicissitudes da vida, perdeu o comboio do privilégio (e do prazer) do estudo não pode esperar apoios, muito menos garantia, na realização profissional. Inaceitável!
IV. Sobre o trabalho a prazo, ou à experiência, ser um mal a erradicar. A afirmação é errónea e perigosa:
- Há que distinguir entre trabalho e emprego. Charles Handy e Peter Drucker, dedicaram várias obras a esta discussão, e muitas encontram-se traduzidas para Português. Conheço muitas pessoas que não procuram trabalhar, o que querem é ter um emprego, ou melhor, a garantia de um vencimento para sempre – uma ilimitada e completamente generosa “zona de conforto”.
- Tenho tido contactos assíduos com a Academia, conduzindo Palestras, Debates, e ajudando alunos na elaboração de teses de fim de curso e mestrados. Surpreende-me a reacção deles quando contesto a alegada “falta de oportunidades” de que se queixam. Muitos deles ficam sem resposta quando lhes pergunto – Já experimentaram colaborar nos jornais da Escola? Porque não colaboram com a Associação de Estudantes? Conhecem e já contactaram o “vosso” futuro sindicato? E a Ordem ou Associação Profissional a que irão pertencer? A vossa turma é um grupo ou um conjunto acidental de estudantes? Etc.
- Menos ainda entendo a recusa de trabalho, mesmo que eventual ou abaixo da retribuição que almejam, quando deveriam, na minha opinião, aceitar a oferta aproveitando para ganhar experiência, desenvolver capacidades e mostrar os benefícios da sua contratação, e criando currículo adicionando-lhe força de vontade, pró-actividade, e “branding” (no sentido do conceito “Uma Marca Chamada Você”, popularizada por Tom Peters, e que me é tão querido).
(termina em 2 de 3)
Comentário 3 de 3
c. Em relação ao surpreendente número de 20 000 estudantes de Psicologia. Fiquei deveras preocupado – Que futuro os espera se realmente julgam que irão trabalhar nesta área assim que tiverem concluído a sua formação académica (mais rapidamente agora por efeito de Bolonha)?
Que acções de esclarecimento e ajuda têm os Sindicatos, as Associações de Estudantes e Profissionais, as Associações de Classe, no terreno ou em estudo, para “orientarem” os novos candidatos a estes cursos no sentido de evitar que caiam num logro de que se virão a arrepender?
Estão à espera que seja o Governo a elucidar nestas áreas?
Preparam-se para viver em casa dos pais até aos cinquenta anos?
Estão a espera de engrossar o exército de desempregados e dos respectivos subsídios?
Acordem jovens – o mundo é vosso, mas têm de fazer por isso.
Gosto desta frase, que exibia no meu gabinete de trabalho. Recordava aos colegas da minha equipa, e aos outros que por lá passavam que “No fim do dia o que vais ter é o que conseguiste, não aquilo porque lutaste”.
Nota: sinto-me bem à vontade para defender estas posições. Eu próprio iniciei a minha carreira profissional, nas férias (que não tive) do Verão de 1970, quando procurei, e consegui, um ESTÁGIO NÃO REMUNERADO na IBM Portugal. O intuito era desenvolver os saberes que tinham sido transmitidos na cadeira de Cálculo Numérico do 2º ano do curso de Engenharia Química do IST. Foi um namoro de férias que acabou num feliz casamento de quase 40 anos. O curso “foi à vida”, mas a vida foi um curso. E que curso!
Uma autêntica e profunda lição o que o Vitor Trigo aqui deixou escrito. Seria muito bom que os jovens leitores de blogs lessem e tirassem as devidas ilações do que este homem aqui escreveu. O mundo hoje está assim e há que encará-lo como uma realidade. A época está má, mas muitos jovens também esperam que o Estado lhes dê tudo. É isso: temo-nos que fazer à vida.
Obrigado Caro António Montez, pelas suas tão simpáticas palavras.
Muito mais haverá para dizer, certamente. Mas não o quis fazer para não sobrecarregar os leitores.
Aguardo outros pontos de vista, para tentar corresponder às expectativas.
Espero continuar a merecer a sua atenção.
Sem duvida que as palavras do Sr. Victor Trigo não podiam exemplificar melhor o que se passa na actualidade.
os jovens de hoje, têm que se adaptar à realidade e não estarem à espera de um emprego para a vida, isso pertence ao passado!
Quanto a mim o problema também está na falta de organização do nosso sistema de ensino, seria necessário, tal como outros países europeus o fazem, como por exemplo o Luxemburgo, em que ao longo do percurso de um estudante é o próprio ensino que o direcciona para aquilo que melhor se adequa, tanto à vocação do aluno como ás saídas profissionais existentes.
Acho igualmente que o facto de não existir emprego para a vida deveria ser encarado pelos novos licenciados, como mais oportunidades para aprender e adquirir experiência, ao mesmo tempo que trabalham no currículo.
Obrigado Susana, pela sua contribuição para este debate.
As suas palavras ganham ainda mais força por virem duma finalista universitária que, ainda este ano segundo penso, irá "entrar" no mercado de trabalho.
Em relação ao que designa como sistema de apoio ao ensino no Luxemburgo:
Acho que, consideradas as devidas especificidades, se deve analisar o que de bom existe, em vez de tentar permanentemente tentar inventar a roda. Claro que sem cair no facilitismo de "ccpy-paste". ´Calculo que seja este também o seu entendimento.
A Susana tem alguma informação sobre a participação das Associações dos Estudantes e outras com as ditas Autoridades Académicas? E como se processam as ligações destas com o mundo do emprego?
Desejo-lhe as maiores felicidades na sua nova vida.
Combate ao Desemprego, através de soluções precárias?
Penso que a decisão de ontem do Conselho de Ministros sobre Novas Medidas no Combate ao Desemprego, aporta valor ao que vimos debatendo, justificando alguma atenção.
(http://economico.sapo.pt/noticias/empresas-vao-receber-apoios-para-contratar-trabalhadores-a-prazo_78824.html).
Deixo aqui algumas dúvidas e opiniões:
1. Sem menosprezar outras classes de desempregados, os que têm mais de 40 anos de idade são particularmente vulneráveis à oferta de novas oportunidades de trabalho. Esta atitude numa sociedade que vê aumentar a esperança de vida e, por isso, quer aumentar a dita “vida activa” para além dos 65 anos, só se entende por visão estritamente economicista. Compreendo por isso a preocupação do Governo em atacar este problema.
2. Acho que apoiar as empresas na contratação destes desempregados, beneficiando-as através da diminuição dos descontos para a Seg. Social, não prejudica a SS. Pelo contrário. Admito não estar a considerar todas as implicações, mas julgo que é melhor para a SS receber contribuições menores, do que não receber nada e ter ainda de suportar o Subsídio de Desemprego.
3. Quanto à questão do emprego daqui resultante ser precário, acho que é preferível ter um trabalho a prazo do que estar desempregado: Para o indivíduo: (a) as implicações psicológicas são evidentes, incluindo a recuperação, ainda que parcial, da auto-estima; (b) tem oportunidade mostrar os benefícios que a sua contratação definitiva poderia valer para o empregador. Para a empresa: tem aqui oportunidade de tomar a decisão de contratação sem termo, com menores riscos. Nota. Nunca conheci nenhum empregador que se desse ao luxo de “desperdiçar” bons colaboradores. Podem “puxar a corda” (está-lhes na massa do sangue, como é hábito dizer-se), mas deixar partir quem faz falta – não conheço.
Concluo, por agora, acrescentando:
Nada na vida é definitivo, nem o trabalho precário…
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