Um post de uma linha que escrevi ontem bateu asas e teve efeitos bem longe daqui e em centenas de acessos a este blogue. Li, em silêncio, o que por lá se foi escrevendo a meu respeito porque raramente intervenho em caixas de comentários de turbo-blogues e arrependo-me quase sempre que o faço.
Mas o que está em causa é grave: foi convocada uma manifestação para 5ª feira e lançada uma petição – Todos pela Liberdade - que, no momento em que escrevo, ultrapassa as 3.000 assinaturas e terá muitas mais.
O que penso de um modo geral sobre a iniciativa e o seu conteúdo está dito num post que o Miguel Serras Pereira acaba de publicar no 5 Dias: Anti-Social-Fascismo (R)? e dispenso-me de o repetir (*).
Apenas alguns apontamentos adicionais, à minha maneira.
Que a situação do país é gravíssima, que os últimos episódios que envolvem o primeiro-ministro não o são menos e que são necessários esclarecimentos urgentes parece-me absolutamente óbvio. Mas outra coisa bem diferente é pedir sem mais a sua cabeça, de uma forma primária e muito perigosa, como se isso resolvesse todos os problemas. Como diz Miguel S. Pereira: «Se o governo Sócrates merece cair por muitas razões, o apelo omite muitas das principais; e se esse silenciamento é o preço da unidade da acção, receio que seja o branqueamento antecipado de um próximo governo “de verdade”, e das suas previsíveis tentativas de berlusconização do regime por via presidencial ou “mista” (coligação da Presidência e forças político-partidárias eventualmente recombinadas), e de “limitação económica” agravada dos direitos sociais e liberdades.». Não podia estar mais de acordo: o perigo de berlusconização por via presidencial não é uma figura de estilo nem uma «boutade», ele está aí bem vivo e à espera de uma oportunidade que parece receber uma bela ajuda por parte destes peticionário-manifestantes.
Que pessoas de esquerda se tenham juntado à direita, e até enfeitado um pouco a lista dor promotores, é triste e é grave porque demonstram que não entendem o que a dita direita realmente pretende, desta vez como sempre. De repente, alguma esquerda descobriu um objectivo nacional comum e escorregou numa casca de banana magistral e estrategicamente colocada. E lá vai, ufana e feliz, vestida de branco, com estandartes que por acaso até serão azuis, ombro a ombro, em nome de uma blogosfera unida.
Finalmente, não vi ainda suficientemente sublinhada a gravidade da manifestação convocada para depois de amanhã, no meu entender mais chocante do que a petição: «a rua» tem uma enorme força na vida das democracias e há que utilizá-la para objectivos correctos. É talvez um bem ainda mais precioso para quem viveu em tempos de ditadura, onde ela era sinal de carga policial ou, num extremo oposto, o Terreiro do Paço à cunha com Salazar a gritar que «Todos não somos demais». Pelo meio, a rua foi o 25 de Abril. E por isso senti, como uma verdadeira bofetada na cara, que alguém tenha posto num blogue, como convocatória para esta manifestação, um vídeo com os soldados e os cravos e Grândola em música de fundo. Haja decoro.
(*) A ler também este post do Miguel Cardina.
13 comments:
Claro e certeiro, Joana.
Só não apoio para não agravar a indicação do lugar de exclusão. Ainda substituiam Stromboli como lugar de desterro por coisa muito pior.
Assim sendo, aqui visto-me de branco. Falo só no meu parlatório (para não te comprometer).
João Tunes
Leio "Mas outra coisa bem diferente é pedir sem mais a sua cabeça, de uma forma primária e muito perigosa," mais trecho da citação que faz do texto (que eu não havia lido) de Serras Pereira - e fui reler a petição que assinara. Cada um lê e interpreta como entende. E é óbvio que o(s) autore(s) do texto foram cuidadosos, deixando amplitude para implícitos. Mas são implícitos - e atacar um texto pelo que se considera que lá está mas não está, literalmente, não me parece tão "claro e certeiro" como o comentário acima refere.
Depois há, e não só aqui, todas essas referências a Berlusconi. Que pelos vistos devem estar na berlinda aí em Portugal, e não entendo exactamente porquê (pela minha distância apenas). Lamento, mas de novo, não me parece nada "claro e certeiro" que diante de gente que se indigna com um prática de constante intromissão na imprensa se lhes responda "Vs querem é o Berlusconi" - eu diria exactamente o contrário. Mas enfim, cada cabeça sua sentença.
(sobre o que é isso da "esquerda" a que V. se refere seria assunto para muito mais conversa, presumo que desnecessária. Sem ponta de ironia, acho piada essa do "inimigo" e do "amigo". Já agora, quem pôs Berlusconi no poder foi também Craxi e companhia. Devia dar para por mais "claro e certeiro" quem são os "amigos" e "inimigos" reais.)
cumprimentos
Desculpe insistir mas neste não-turbo-blog isto realmente é-me inquietante: pelas palavras que cita (e que faz como se suas) o que eu retiro, e não é apenas um implícito, é isto. Em Portugal (ou nesta "amostra" sobre Portugal) há uma "esquerda" democrática - que está com Socrates ou contra ele pelos motivos certos; e há uma "direita" (ou à sua direita) que é anti-democrática, que apenas quer "berlusconização" (controle dos media e sua propriedade, plutocracia populista, corrupção, violação do Estado de direito, etc). Se eu olhar para Portugal e o inserir no seu contexto político - mesmo que salvaguardando a sua especificidade, a sua tradição política, e mesmo que frisando a especificidade de uma petição e do núcleo do qual ela sai - meto-o no contexto euro-ocidental. E aí, seja agora seja nas últimas décadas, vejo muito poder/governos não socialistas/sociais-democratas (a "direita"). Nesse conjunto Berlusconi é uma figura excêntrica e as características do seu poder relativamente únicas. O que o seu post (e o que cita) fazem é atirar todos aqueles para lá do eixo "esquerda" para o domínio da a-democraticidade. Mesmo por cima de qualquer reflexão comparativa, política.
Houve tempos em que todos os que não eram do "partido" não eram democratas (e aqui V. por vezes refere esse universo historico de forma particularmente interessante). Agora todos os que não de "esquerda" são berlusconescos. O raciocínio ("claro e certeiro" como refere o M. Cardina) é o mesmo, a geneologia conhecida. Apenas surpreende que decorra aqui - V. habituou-nos mal. Ou bem.
Cumprimentos
Bravo, Joana.
A luta continua!
Forte abraço
miguel
Miguel (C) e Miguel (SP), obrigada.
João, Já vi o teu post :-)
jpt, já cá volto, levarei mais tempo a responder-lhe, claro.
Caro jpt,
Claro que «cada um lê e interpreta como entende» um texto, mesmo quando o assina. Neste caso, ele é dirigido à segunda figura do Estado, o presidente da AR, fazendo «queixa» do PM e referindo até (para além da AR) quem nem dele depende: o poder judicial e o PR. Qual é o objectivo concreto de uma petição dirigida a J. Gama ? Não é explicado. Para mim, fica só a queixa: acabem com este homem. (Declaração de interesses: eu não gosto de Sócrates e não voto PS.)
Seria demasiado longo explicar a alusão a Berlusconi, que os dois Miguéis (Cardina e S. Pereira) desenvolveram mais do que eu.
Quanto a isto que diz: «há uma "esquerda" democrática - que está com Sócrates ou contra ele pelos motivos certos; e há uma "direita" (ou à sua direita) que é anti-democrática.» Não penso assim, de modo algum. Para já, eu nunca disse que esta iniciativa era «antidemocrática», julgo. Por outro lado, estão nela misturadas direitas e esquerdas, umas democráticas, outras provavelmente que o não são. Para sua informação: não sei se o jpt coloca o PCP na esquerda democrática, mas, caso o faça, fique e saber que quem desencadeou, no 5 Dias, a indignação contra o meu post de uma linha foi um militante daquele partido, promotor da petição. Espero que isto responda ao seu último parágrafo. E agradeço o elogio da última frase…
Este é o maior caso que já vi em Portugal de "idiotas uteis".
Ver certa esquerda, ou pessoas que se julgam de esquerda, trabalhar afincadamente para entregar o poder à direita.
Os arautos da liberdade de expressão amordaçados pela ditadura de Socrates são, lembremos, o prof. Charrua, Manuela Moura Guedes, Mário Crespo, Pacheco Pereira não é mas gostava de ser, e digam-me lá mais uns nomes sff
Tudo grandes democratas, não é?
José Manuel Fernandes tambem parece que Belmiro de Azevedo o demitiu por incompetente mas afinal era por pressão do PS, para ele ir a correr participar nas acções do PSD...
Vamos todos apoiar estas manifs da direita, Cavaco agradece, Paulo Portas ri-se, o PSD respira de alívio. Mas ok, fico a saber quem é que tem como principal inimigo a esquerda moderada e gosta da direita no poder.
Não a quero incomodar, mas ficam dois esclarecimentos: quando diz «há uma "esquerda" democrática - que está com Sócrates ou contra ele pelos motivos certos; e há uma "direita" (ou à sua direita) que é anti-democrática.» trunca (com toda a certeza porque cita apenas o que achou significante) o que eu escrevi e termina "...que apenas quer "berlusconização" E é isso que eu coloquei - não vim, era o que faltava, discutir o que V. pensa (estruturalmente) mas sim o post que fez (com citação). E o corolário do seu texto é a berlusconização alheia. Daí toda esta minha incomodativa insistência.
O seu "Não penso assim, de modo algum." não me chega a sossegar. Antevia-o. Daí o meu incómodo com o texto que me pareceu falacioso.
Quanto à petição querer ou não acabar com Socrates. Penso que todos o querem apeado, e quanto antes. Mas a petição é um protesto, ninguém estará à espera que dela saia (ou se insira) na queda do governo. Há que dar proporcionalidade às coisas ...
Finalmente, e lateralmente, já que pergunta: não considero o PCP da "esquerda democrática" nem tampouco o BE. Poderão ter hoje uma prática democrática mas não têm objectivos democráticos. São, para usar a terminologia do post, os "inimigos" (alguns deles). Quanto a Serras Pereira, o autor do post ao que me parece, não fazia a mínima ideia da sua militància, conheço-o apenas de inúmeras traduções (presumo que seja o mesmo). Mas isso é lateral, como disse. Pronto, não a incomodo mais com o assunto. Cumprimentos
eh pá, oh malta das esquerdas e das direitas, o destino do governo está nos vossos eleitos. moção de censura já, governo abaixo e novas eleições. aí é que está a luta, não é na retórica saída do conforto da cadeira junto às teclas. bem que isto das eleições causa prurido a muita gente que prefere a rua...
"Liberdade com Todos", num Tea Party próximo de si.
No assalto ao poder vale tudo. Nada de novo. O curioso desta farsa reside no facto de pretenderem «cozer» o PM em lume brando em vez de colocarem na AR uma moção de censura. Que gente corajosa, que valentes defensores do Estado democrático e das mais amplas liberdades !
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