Se gostei, como já escrevi, do que Manuel Alegre disse no Maputo sobre a língua portuguesa como factor que nos une às nossas antigas colónias, já o mesmo não se passa acerca de algumas manifestações a que assisti durante a recente visita de Sócrates a Moçambique. Estou a pensar, concretamente, no espectáculo de moçambicanos que, aparentemente com espontaneidade, cantavam o Heróis do Mar ao primeiro-ministro. Fiquei gelada. Não porque o facto em si seja especialmente importante, mas pareceu-me sintomático da complexidade das relações colonizado / colonizador.
Alguém conseguirá imaginar argelinos a entoarem a Marselhesa pelas ruas de Argel, numa qualquer visita de Sarkozy? Dir-me-ão talvez que a diferença abona a nosso favor. Não tenho a certeza: teremos deixado por lá a brandura dos nossos costumes e alguma sunserviência, o que não valorizo positivamente.
Mas é provável que a esquisita seja eu. Também fico transida quando oiço bater palmas em enterros.
P.S. - Eu, colona que nasci como portuguesa de segunda em Moçambique, não sei cantar o hino moçambicano. Mas aqui fica porque sempre o achei lindíssimo.
7 comments:
Creio que os franceses foram piores colonizadores que nós... mais pela imposição nunca pela integração. Numa semana que começou a 8 de Maio de 1945, reuniram em 3 wilayas (distritos) 45000 argelinos e fuzilaram-nos a todos. Lipeza étnica ainda frescos da libertação do jugo Nazi! E esta, hein???
Se calhar há na alma dos portugueses alguma solidariedade que nos torna simpáticos aos olhos de outros com quem nos fomos cruzando no passado?
Aquela mesma que transformou a independência de Timor na causa que uniu mais todos os portugueses nas últimas décadas, que durante semanas sofreram a ver telejornais como se fossem familiares ou amigos a sofrer aquela violência, sem pensar se haveria um dinheirinho do petróleo de Timor que sobrasse para nós?
Se for assim, talvez o cantar do hino não seja um sinal de subserviência, mas de simpatia?
PS1: Todos? Não! Houve 2 que se manifestaram contra a corrente de solidariedade vigente, o Durão Barroso (talvez por invejazinha de nunca ter conseguido nada do Ali Alatas) e o Alberto João (talvez com medo que se fosse ali gastar dinheiro que depois não havia para lhe dar a ele).
PS2: Estou certo que o Dos Santos nunca permitiria que se cantasse "A Portuguesa" numa circunstância semelhante...
Claro que a Guerra na Argélia foi terrível, Jakk, mas nós colonizámos durante séculos e também matámos.
Manel,
A nossa solidariedade «oficial» com os PALOP chama-se negócio (e por isso é maior com Angola, claro). E era de uma visita oficial que se tratava. E eram populares que cantavam, não uma parada militar.
Timor foi uma história diferente.
Não é comparável, nem o âmbito deste acontecimento tem qualquer paralelismo, mas há alguns anos assisti a uma pequena multidão de largas centenas de portugueses a entoarem a plenos pulmões a Marselhesa - em Lisboa no Largo do Município - por ocasião dum 14 de Julho!
(É verdade que a data o justificava: tratava-se do 2º centenário da Revolução Francesa... Acho que hoje isso já não seria possível, pois deixàmos de ter referências francesas na nossa cultura).
Bom dia, Joana
No fundo, acho que estamos a dizer a mesma coisa.
A nossa relação com os PALOP tem uma vertente institucional onde vigora o maior cinismo (e de caminho se branqueiam fortunas colossais), e uma vertente humana onde parece existir uma afectividade profunda que resistiu aos excessos de algum colonialismo e das guerras de libertação, e que atinge mesmo aqueles que, como eu, nunca foram a nehum PALOP.
E esta última parece não se indignar mesmo nada por se prestar a cantar o hino dos outros, e desta vez parece ter prevalecido sobre a primeira, tanto mais que ocorreu num país da Commonwealth.
Como nós não teríamos tido a mais pequena hesitação em cantar o hino de Timor, se o conhecêssemos, naqueles dias terríveis de 1999 em que pudemos constatar que afinal o povo português (quase todo...) até é razoavelmente decente.
Mas não o cantaríamos ao Dos Santos, às suas filhas ou aos seus generais que, aliás, não se prestariam a ouvi-lo, porque não é isso que os traz cá.
Tudo colocado na balança, e mesmo aceitando que possa ter havido algum aproveitamento institucional da afectividade do povo moçambicano naquele cântico, eu vejo nele mais razões para nos sentirmos bem com a vida do que para nos lamentarmos.
Jorge,
Já tenho escrito aqui que não sou grande admirador da França nem dos franceses, e não lhes cantaria certamente o hino.
Mas é difícil ver, ainda que repetidamente, o "Casablanca" sem sentir uma certa emoção, ou mesmo comoção, ao ver cantar aquela Marselhesa.
Digamos que, em certa medida, não é apenas o hino, dos franceses, mas uma bela canção de liberdade, de todos os que apreciam a liberdade.
Manel,
Eu não disse, nem creio pelo que vi, que se tratasse de um aproveitamento institucional - até me pareceu espontâneo e fui isso que me fez impressão.
Quanto à Marselhesa: eu, francofilíssima, gosto muito. Nos 200 anos que o Jorge refere, vivia na Bélgica e segui todas as lindíssimas comemorações.
Mas Casablanaca... é a guerra, a resistência, etc., etc. Mais do que a França.
Gosto à brava de ouvir cantar o hino moçambicano...em português.
E isso basta.
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