12.6.10

Com capas e bolos


Qualquer pessoa, com um QI medianamente normal, esperaria encontrar neste livro um conjunto mais ou menos equilibrado de cartas de Salazar para Cerejeira e do segundo para o primeiro.

Há alguns anos, dediquei algum tempo a estudar as relações ente Igreja e Estado nos últimos tempos da ditadura e o tema continua a interessar-me. Embora esperasse encontrar muitos textos já conhecidos – os que se encontram nos arquivos de Salazar na Torre do Tombo, que incluem as missivas que o então presidente do Conselho recebeu e alguns rascunhos das que enviou – convenci-me que (finalmente!) alguém tinha tido acesso ao espólio do cardeal.

Puro engano: dos 95 documentos agora publicados, há apenas 5 cartas (e um telegrama) de Salazar para Cerejeira, precisamente os tais rascunhos que é possível encontrar nos arquivos do primeiro e que eu já conhecia. Tudo o resto são textos e recados de «Manuel» para «António» e longos «anexos» (por exemplo, projectos de revisões da Concordata), quase todos enviados pelo cardeal. Ou seja: na prática, só se encontra metade do que se espera ao ver o livro nos escaparates.

Sei, até por experiência própria, que é grande a pressão na escolha dos títulos para que os mesmos «vendam». Mas creio que os limites foram aqui largamente ultrapassados e não sei a quem poderei reclamar os 19,90 euros que deixei na FNAC.

(Esta obra é o segundo volume de um projecto de investigação sobre «Salazar e os seus correspondentes», coordenado por Fernando Rosas, presidente do Instituto de História Contemporânea, da UNL.)

P.S. - Leia-se o comentário de Rui Almeida e a minha resposta.
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8 comments:

ruialme disse...

Joana, o Arquivo do Patriarcado, no qual está inserido o espólio documental de Cerejeira, só há poucos anos começou a ser tratado e organizado, por uma equipa reduzida. Tanto quanto sei, o objectivo é dar a conhecer tudo o q seja possível, com as limitações impostas pelas leis civil e canónica. Na biografia do cardeal, Irene Pimentel dá conta disso numa nota (ainda não tenho o livro, mas já folheei numa livraria).

Mas para lá disso, estranho q não tenha conhecimento de q Cerejeira destruiu toda a correspondência com Salazar. É do conhecimento público há muitos anos. Aliás, o bispo António Ferreira Gomes refere-o numa das suas Cartas ao Papa (editadas pela Figueirinhas, em 1986 - pág. 25), nestes termos: "Dizem no Patriarcado de Lisboa que o Cardeal Cerejeira queimou em vida a sua correspondência com o Presidente do Conselho. Se assim foi, podemos perguntar-nos se com isso pensou servir o seu correspondente ou a si próprio. À história é que com certeza não serviu".

Ricardo Alves disse...

Joana,
como compara esse livro com o «Salazar - Cerejeira, a "força" da Igreja» (Pedro Ramos Brandão) que já incluía alguma da correspondência referida?

Joana Lopes disse...

Não sabia, Rui, da destruição que refere feita por Cerejeira - de todo, escapou-me. Mas era então fundamental que esse facto fosse referido logo na introdução deste livro, não?
E mantenho que o título é inadequado. Não está de acordo?
(Vou por uma adenda ao post)

ruialme disse...

Sim, Joana, concordo q o título é inadequado. Aliás, só depois de ter enviado o comentário é q reparei q me faltou referir isso, q afinal é o motivo do post.

Joana Lopes disse...

Ricardo,
Não tenho em casa mas li então o livro de Ramos Brandão. SALVO ERRO, este é mais completo quanto às cartas de Cerejeira para Salazar, já que muitas foram conhecidas apenas quando a totalidade dos arquivos (de Salazar) foram disponibilizados na T. do Tombo, o que só aconteceu em 2004.

Rogério G.V. Pereira disse...

Vou fazer referência a isto, lá no meu blogue!

As coisas que eu não sabia e que outros também, provavelmente, não saberão...

Anónimo disse...

Joana,
Começo a detectar um padrão nessa colecção, o que é de lamentar profundamente. Já o primeiro volume, sobre a correspondência entre Salazar e Pedro Theotónio Pereira, incluía praticamente só cartas deste para aquele. Um título que engana, defraude e desilude qualquer leitor.
Pedro Correia

Joana Lopes disse...

Pedro,
Se assim é, é grave: vi o primeiro. e até conheço o autor / coordenador, mas não o li.