4.6.10

Mais um - menos um


Não sei quando comecei a ler Le Monde, mas julgo que terá sido quando estive em Paris pela primeira vez, durante algumas horas, entre a Gare d’Austerliz e a do Norte, a caminho de início de estudos em Lovaina. Lembro-me de o ter guardado religiosamente na minha mala que era, rigorosamente, de cartão.

Com alguns interregnos, nunca o perdi totalmente de vista, compro-o sempre que estou em França ou nalgum aeroporto por essa Europa fora, sem nunca me ter habituado, confesso, àquela estranha realidade de ler, à hora do almoço, um jornal com a data do dia seguinte. Em casa, percorro-o na net.

Com data de ontem, o Editorial anuncia que uma nova crise financeira obriga a recapitalização, que há vários grupos financeiros interessados no negócio e que facto este implicará, necessariamente, a perda de controlo por parte de quem agora o detém.

Ora acontece que este mítico órgão de comunicação social francês existe desde 1944 e é gerido desde 1951 (há quase 60 anos, portanto) pelo grupo dos seus redactores. Agora, será o fim desse ciclo:
«Quel est l'enjeu de cette recapitalisation? A l'évidence, une page de l'histoire du quotidien va se tourner. Depuis 1951, l'indépendance du journal a procédé du contrôle de sa gérance et de sa ligne éditoriale par la rédaction. Demain, quel que soit le candidat désigné, la Société des rédacteurs du Monde et, plus largement, les sociétés de personnels perdront ce contrôle majoritaire au profit du nouvel entrant.»
Inevitável, nada de especial, ainda menos de dramático, «é a vida»? Claro que sim. Mas é mais um ícone, um símbolo da independência de jornalistas que, mal ou bem e com muitas vicissitudes, se mantiveram (com limitações, eu sei) livres da pressão dos seus «donos». E sabemos bem qual o preço a pagar nas novas circunstâncias.

Custa-me mais ver esta «página virada» do que as ameaças de todas as Telefónicas deste mundo. Mas isso é porque sou uma portuguesa desnaturada e porque cada vez percebo menos de finanças.
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6 comments:

Anónimo disse...

Caríssima joana Lopes: As coisas ainda não estão apuradas nem definitivas. Existem vários grupos interessados, todos de coloração de Centro-Esquerda. Como a Prisa, grupo El País, e o do L´Espresso/ La Reppublica,do empresário de centro-esquerda Carlo de Benedetti, Itália. Talvez desse lote, se acaso um deles se consagre vencedor, corra um certo risco por imperativos financeiros, o famoso privilégio da Sociedade de Redactores,que faça com que seja forçado a perder a maioria de blocagem na gestão editorial do Le Monde. No entanto, existem outros grupos de Imprensa e dos Negócios parisienses - o do Nouvel Observateur , o liderado pelo empresário " rosa " Pierre Bergé, associado no projecto de aquisição do Le Monde a Matthieu Pigasse e Xavier Niel que querem fazer crescer o espaço editorial onde dinamizam a emblemática revista Les Inrockuptibles, agora nas mãos só de M. Pigasse. Existe ainda o forte grupo suiço de Imprensa Ringier- a que está associado o celebérrimo antigo chanceler alemão Gérard Schröder, amigo de Poutine e dos seus negócios...- que já colabora com o Le Monde na gestão do diário Temps, da Confederação Helvática. O suspense é enorme,mas há princípios éticos que parecem estar salvaguardados. Niet

Joana Lopes disse...

Sempre bem informado, Niet! Li algumas coisas das que diz (não todas...), mas, mesmo que alguns princípios éticos sejam à partida salvaguardados, nada garante o futuro... Além disso, nem que seja, simbolicamente, o facto de o grupo de redactores perder a «gestão» é significativo, não lhe parece?

Anónimo disse...

Caríssima: Vamos aguardar até 15 do corrente. De qualquer das formas, como sabe, o Le Monde perdeu cerca de 50 por cento de leitores nos últimos 10 anos. O que é enorme e a que se juntam as " ofensivas " de Minc/ Sarkozy junto do antigo director megalómano, JM Colombani,que o hilariante PR francês " colocou " num tacho depois de terem perdido o " golpe " para o controlo total do Le Monde há cerca de três anos.Todas essas peripécias acabaram por produzir débitos faraónicos e muito perigosos. Mas o Le Monde é uma sigla ( ainda ) com imenso prestígio e, o que é mais interessante, é que não tem concorrente(s) à altura. O Libé. tem coisas " giras " de vez em quando e o Le Figaro não se consegue ler...por sarkozysmo estreito e intoxicante.E O Pariseen e o France-Soir são uma espécie de 24 Horas à francesa... Mas os semanários- Paris está cheia deles para todos os fins, gostos e clientelas... - as TV´s regionais, locais e a Net são factores de concorrência com muito peso para se pensarem, estratégicamente, os desafios de sobrevivência da Imprensa clássica. Vamos ver como as coisas se decidem até Sexta-feira próxima, portanto. Salut! Niet

Anónimo disse...

Bom Dia, Joana Lopes: Com a preocupação de aprofundar o tema sobre a recapitalização do Le Monde, fui hoje ver a " janela " Médias do Journal du Dimanche Online.Coisa que já não fazia há muito... Uma grande entrevista com o director e o gerente do Le Monde- E. Fottorino e D. Guiraud, respectivamente- permite esclarecer ainda melhor os parâmetros da operação. A dívida real ronda os 150 milhões de Euros. Os resultados globais de exploração estão quase no equilíbrio, só o balanço do Monde Diplomatique é que parece mais comprometedor. A proposta Bergé/Pigasse/Niel- de grande rigor ético e claramente de Esquerda-parece reunir grandes hipóteses...O suspense é enorme, pois! Salut! Niet

Anónimo disse...

Bom dia, Joana Lopes: Pelo que li, creio que foi colega do magnífico Carlos Bandeira de Lima em Lovaina! Ele já morreu há cerca de 10 anos- tendo acabado prof. num Liceu do Porto!Tinha uma sensibilidade espantosa!

As últimas sobre o Le Monde! O inenarrável Sarkozy meteu-se nas andanças como era de esperar, claro! O Libé. sinaliza tudo hoje. Mas o Lepoint.fr OnLine conta gratuitamente a narrativa toda, secção Médias- Emmanuel Berretta .Os candidatos estrangeiros- italiano e suiço- já abandonaram as hipóteses de negociação. Salut! Niet

Joana Lopes disse...

Niet,
Sei perfeitamente quem é o Carlos Bandeira de Lima, mas, se me cruzei com ele, foi de raspão, em 1968.