Gostei de saber que Ruy Duarte Carvalho viveu os últimos anos e morreu em Swakopmund, essa pequena cidade lindíssima, no litoral da Namíbia, onde se tem a surpresa de atravessar a fronteira para uma espécie de Alemanha, pouco tempo depois de deixar para trás a duna 45. É uma bela porta para se sair deste mundo.
As ruas do centro são com aquela que a fotografia mostra, quando se entra na principal livraria podia estar-se em Wiesbaden, a ordem no trânsito e a limpeza das ruas são legado de algumas décadas de presença alemã que os namibianos teimam em não perder.
Bem gostava que me tivessem mostrado a casa onde Ruy Duarte estaria provavelmente a escrever (e não a que Angelina Jolie e Brad Pitt alugaram quando decidiram que uma filha por lá nascesse…), mas nem o Lonely Planet, nem o meu guia (by the way angolano do Sul, tal com Ruy Duarte) ma assinalaram.
Recordar Swakopmund (e o deserto, inesquecível, ali tão perto…) é sempre um enorme prazer e, neste caso, um motivo para divulgar um texto de Ondjaki, escrito ontem mesmo.
cresci numa Angola em que o Ruy acreditou – e ajudou a construir
Sabemos que perdemos um amigo, um mestre, quando nos é tão difícil falar da sua partida. Sabemos que perdemos um escritor, quando somos invadidos por uma brutal saudade daquilo que ele ainda viria a escrever. Angola perdeu, na minha opinião, um dos pilares mais sólidos da sua literatura e da sua antropologia. Partiu o homem, o artista e o pensador, num corpo que reunia estas coisas com tal elegância e intensidade, que parecia um ser de ficção. Quando um homem, como o Ruy Duarte, pode ser lembrado como exemplo de integridade, coerência, honestidade intelectual e elevadíssima qualidade estética em tudo o que fez, esse homem pode partir em paz – e nós podemos entregar-nos, quase a sorrir, à saudade de o querermos reler. Lembro o poeta. Lembro o amigo. Lembro o mestre. Serenamente, celebro os momentos que passei com ele, em conversa atenta, em diálogos de escutar. Ao homem que escreveu “há coisas que eu diria para entender mais tarde”, eu presto a minha homenagem, não como escritor, mas como jovem angolano. Bem sei que eu cresci numa Angola em que o Ruy acreditou – e ajudou a construir. Bem sei que foi sobretudo para as gerações vindouras que ele andou a escrever, mais ou menos cifrados, os textos que esculpiu para nos dizer o que era “fazer arte”, tendo escolhido a abordagem dos seres discretos, dos corajosos, dos que abdicam na hora certa. Devagarinho, lá teremos de dar “ordem de esquecimento” à nossa saudade; e aos poucos, no que nos deste, havemos de ler todos os “sinais misteriosos” – que já se vão vendo… Obrigado, camarada Ruy. Obrigado mesmo!
(Daqui)
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