Com o anúncio de mais uma candidatura à esquerda, regressou ontem a discussão sobre as presidenciais. E, com ela, declarações de alguns «desanimados» que não gostam de Alegre, olham de esguelha para Fernando Nobre, não sabem ao que vem Defensor Moura e esperavam ainda um candidato do PCP, que considerassem «aceitável». Não parecendo ter sido o caso, engrossam as fileiras das intenções de voto em branco.
A memória é curta, ou cinco anos é muito tempo, e talvez valha por isso a pena recordar que a Constituição diz expressamente que, nas eleições presidenciais, os votos em branco não são considerados «validamente expressos» (Artº 126, 1), afirmação que vem confirmada no Artº 10 de Lei Eleitoral para o Presidente da República, actualizada em 2006.
Isto significa, concretamente, que «os votos em branco e nulos são excluídos do apuramento final dos resultados, chegando-se aos 100 por cento apenas com os votos expressos em cada um dos candidatos».
Não discuto a bondade da lei, que não alcanço, e até julgo recordar-me que, em 2006, teria havido segunda volta se ela fosse outra. Mas é o que temos e o único contributo deste tipo de votos traduz-se, portanto e apenas, na redução da percentagem de abstenções – mais uma prendazita numa eventual vitória de Cavaco à primeira volta.
Ainda muita água correrá sob as pontes, mas é bom ir arrumando algumas ideias. Com tanta escolha à esquerda, talvez valha a pena meter na gaveta alguns pruridos psico-ideológicos – digo eu que considero importantes todos os debates teóricos ou circunstanciais em torno destas e de outras eleições, mas que, perto da tal «boca das urnas», julgo que há que escolher ou cara ou coroa.
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16 comments:
Joana,
aquilo que mais me leva a discordar do teu post é o seu título. Quantas vezes, não ouvimos dizer: "Queres ajudar o fascismo, critica a União Soviética", ou "Criticar o PCP é fazer o jogo do fascismo"? E sabes, tão bem ou melhor do que eu, que foi excelente haver quem não se deixasse encurralar por tais dilemas.
Penso também que sobrevalorizas os pontos de divergência entre Cavaco e Alegre e o seu alcance político. E o resto, bom, o resto está no comentário com que te respondi no Vias hoje mesmo, e em vários posts que, desde os tempos do 5dias, fui escrevendo sobre as presidenciais.
Chamo a tua atenção, se me permites, para um interessante post do Tiago Mota Saraiva no 5dias (http://5dias.net/2010/08/25/o-candidato-independente/), que sugiro no Vias valer a pena debater (http://viasfacto.blogspot.com/2010/08/um-post-do-tiago-mota-saraiva-que-vale.html)
Abraço
miguel
Miguel,
OK quanto a não gostares do título, mas acho muuuito forçadas as tuas comparações, porque ele refere-se a uma realidade «matemática» que explico a seguir e não comparo Cavaco com nada. Só pretendo referir uma realidade muito simples, que poderia ter dito de outro modo: «Quer tirar Cavaco de Belém? Vote num qualquer candidato de esquerda, mas não em branco ou nulo».
Eu não contrapus Cavaco a Alegre, nem tirei Alegre do bolo… Como é que «sobrevalorizo», AQUI, as divergências entre os dois??? Mas claro que, para mim, Cavaco e Alegre não são tão «convergentes» como para ti.
Já li o post do TMSaraiva e não gosto, nem concordo – não é mais do que uma defesa canhestra da escolha do PC, que tu aproveitaste para puxares a brasa à tua sardinha...
Pois eu tb fiquei surpreendido com o teu post, Joana.
Fez-me lembrar a célebre mensagem: "Tapem os olhos, mas ponham lá a cruz".
Não percebeste, Vítor: eu não hesito em votar Alegre, mas sei que há muito quem não goste e eu entendo. Poderão mesmo tapar os olhos, porque não? Nesse sentido, vai o comentário que o João Gaspar deixou no meu FB: «Eu voto ANC (Anyone But Cavaco).»
Só quis desmistificar o voto em branco como protesto, porque não o é e há muito quem julgue que sim.
Joana,
Já tinha dito aqui antes isto, mas acho oportuno repetir.
O que está em jogo nas presidenciais é a escolha entre o Cavaco e o candidato mais votado da esquerda, suponhamos que o Alegre, e ganha o que tiver mais votos.
Se não houver outro candidato à direita (e parece provável que não haja), o Cavaco ganha à primeira volta se tiver mais votos que todos os candidatos da esquerda somados. A multiplicação de candidatos de esquerda vai capturar eleitores de esquerda à abstenção e vai, portanto, reduzir a possibilidade de o Cavaco ganhar na primeira volta com poucos votos. Tanto mais quanto o eleitorado da direita se abster por pensar (erradamente) que a vitória perante uma esquerda dividida é mais fácil.
Se houver outro candidato à direita, é maior ainda a probabilidade de haver uma segunda volta.
Numa segunda volta parece mais improvável que a abstenção cresça, mesmo que seja necessário tapar alguns narizes, tanto à esquerda, como à direita. E aí é o eleitorado a escolher e a escolha vai depender, entre outros factores, do sucesso do voto de nariz tapado.
E, ao contrário da multiplicação de candidatos à esquerda, que alarga o universo de eleitores de esquerda sem ter candidatos que sejam frontalmente contra outros candidatos, e eles não têm batido uns nos outros, eu suponho que se for finalmente lançado um candidato das esposas de Bragança é mesmo para contrariar a possibilidade de o Cavaco ganhar, gorada que foi a tentativa de usar a ameaça do segundo candidato para o pressionar a vetar as leis "fracturantes", pelo que me parece mais provável que na segunda volta elas não queiram tapar o nariz e se abstenham.
Ao fim e ao cabo, se olharem para trás, verão que o Cavaco foi o presidente que não barrou a esquerda nas questões "fracturantes", enquanto o último presidente de esquerda, o Sampaio, foi o presidente que não barrou o acesso do Santana Lopes a primeiro ministro mesmo sem eleições, pelo que até podem achar preferível outro Sampaio a outra vez Cavaco.
Resumindo, a multiplicação de candidatos à esquerda favorece o candidato mais votado da esquerda, e a multiplicação de candidatos à direita favorece o candidato mais votado da esquerda.
Quanto ao método de eleição do PR prescrito na Constituição, deve ser analisado à luz de o objectivo das presidenciais ser a escolha do PR, e não necessariamente perceber os humores dos eleitores descontentes que se abstêem ou votam em branco ou nulo. E com esse fim em vista parece-me um método excelente, e estou mesmo convicto que, se fosse adoptado para eleger os deputados à AR, a maioria dos problemas estruturais da democracia portuguesa desapareceriam pelo simples facto de os deputados passarem a ser escolhidos pelos eleitores e não pelos seus partidos.
Finalmente, a minha declaração de interesses, que estás careca de conhecer, votarei no Cavaco apesar de não o considerar, nem de perto, nem de longe, um "tipo decente".
Manel,
Assino por baixo tudo o que dizes sobre «matemáticas».
Quanto a brancos e nulos, não entendo o que de específico têm as presidenciais para serem tratados de forma diferente e acho que, de um modo geral, têm razão de ser em democracia: são forma de protesto.
Quanto ao teu voto em Cavaco, ainda faltam uns meses e, com mais uns almoços, talvez isso mude... :-)
Joana,
Falta dizer que o meu comentário coincide com o teu na questão de os nulos e brancos (dos eleitores de esquerda) poderem eventualmente dar a vitória ao Cavaco na primeira volta e, portanto, o favorecerem.
Mas nota que os votos nulos e brancos não são tratados de modo diferente nas presidenciais e nas outras eleições: não contam para rigorosamente nada nos resultados de nenhumas! O método de Hondt dá os mesmos resultados quer os votos em partidos sejam 100% dos votos expressos em eleições com 100% de afluência, quer sejam de uma pequena minoria dos votantes depois de uma abstenção elevada. Só contam os votos em partidos.
Relativamente aos almoços, só deixo de votar no Cavaco se tomar arsénico! Tenho de passar a cheirar a comida... ;-)
Gostei do post e da tentativa de explicar Eleições aos mais distraídos
No entanto será vendida até à exaustão a imagem que para o resultado apenas contam os votos em Alegre e Cavaco e se o 2º tiver mais votos que o primeiro está arrumada a questão
Coisas dos nossos cuidadosos opinadores
Tal como nas legislativas, com resultados conhecidos, não esqueçamos as tão famosas, "candidaturas e 1º Ministro"
Votarei nulo e não quero saber de matemáticas. Não votei e nunca votaria em Cavaco. Mas um nobre, um defensor da fatalidade, um ortodoxo comunista e um bibelô de Sócrates e Louçã nunca poderão constituir-se como alternativa de esquerda.
Não é o meu voto nulo que ajuda Cavaco, é a falta de uma verdadeira alternativa. E Alegre, se ainda existe Alegre, o PCP e o BE são responsáveis por isso. São eles que ajudam Cavaco. Não são os votos nulos ou brancos. Gosto de perninhas de rã, mas repugna-me engolir sapos. Nunca fui capaz.
Caro "Pisca",
Como não o conheço, não sei avaliar se a sua sugestão sobre os opinadores - vendedores me pretende abranger ou não.
Vou pressupor que não.
Se pressupusesse que sim, consideraria o seu comentário infeliz, por ler coisas que não estão no que escrevi e não ler coisas que estão no que escrevi, e por fazer a sugestão de que eu estaria a tentar vender algo no meu comentário, que é absolutamente gratuito e nem pretende convencer ninguém.
Mas pressuponho que não.
De modo que lhe sugiro que olhe para a multiplicidade de análises dos comentadores com bonomia, porque os comentários de todos são irrelevantes para o resultado das presidenciais, que só dependerá do número de votos expressos em candidatos e, portanto, da decisão de cada eleitor, de todos os eleitores.
E os eleitores são dotados de mais discernimento e bom senso do que muitos comentadores parecem acreditar, acompanhando as dúvidas de Salazar sobre a adequação do voto popular como instrumento de escolha dos líderes.
Se na primeira volta um dos candidatos tiver mais votos que os outros todos somados é logo eleito, se isso não acontecer faz-se uma segunda volta com os dois mais votados na primeira e ganha o que tiver mais votos nesta.
Ponto.
Caro Manuel Vilarinho Pires
De maneira nenhuma me referia a si, antes pelo contrário
Chamo "opinadores" a uns fulanos de turno nas diversas tv's, salvo uma ou outra excepção, que vão fazendo ou tentando pelo menos, criar as tais ideias, da qual o "candidato a 1º ministro" é um belo exemplo
Um outro que lhe posso dar é uma pérola de um tal Luis Delgado, o qual minutos após o anuncio da candidatura do PCP dizia mais ou menos isto:
- Um candidato para defender as posições e discurso do PCP
La Palisse não diria melhor, então o homem ia defender e falar do quê, da criação de patos gansos em Vila Nova do Assobio ou as posições do Partido Monárquico ?
Mas vendem e têm tempo de antena todos ou quase todos os dias, devem morar numa arrecadação qualquer nos estudios, algo acontece e aí estão eles
Caro "Pisca",
Bom, esses que cita andam a fazer pela vida, a tentar merecer os honorários que ganham... nem que seja a tentar preencher o tempo de antena que lhes é atribuído quando não têm nada de substancial para dizer.
Mas não pesam no resultado das eleições, e muito menos no das presidenciais que, num sistema uninominal de maioria absoluta, a duas voltas se necessário, é garantidamente definido pelos eleitores, e nunca pelos cozinhados entre partidos ou entre candidatos.
A questão que, no entanto, levanta, e em termos que eu não consigo descodificar, é uma das mais fascinantes do nosso sistema democrático: é que, não havendo eleições para primeiro-ministro, o cargo mais poderoso do nosso sistema eleitoral, as eleições para a AR são provavelmente vistas pela esmagadora maioria dos eleitores como eleições do primeiro-ministro.
O que conferiu à nomeação do Santana Lopes por Jorge Sampaio um carácter substancial preverso que, formalmente, não teve.
Joana,
Se a principal incumbência do PR em Portugal é fazer cumprir a Constituição, mesmo se discordar dela ou de actos legislativos que promulga por serem conformes a ela, porque não colocas a possibilidade de votar no Cavaco, que tem provas dadas nestes dois domínios? E quem sabe se ele teria mandado o Santana Lopes fazer-se eleger antes de o nomear primeiro-ministro à boleia dos resultados de uma eleição em que ele nem tinha sido candidato?
Aqui está um assunto de conversa interessante para um almoço sem arsénico! ;-)
Manel,
Por um lado, era preciso que eu concordasse com a tua primeira premissa, o que não é necessariamente o caso. Depois, quando é que não se «cumpriu» a Constituição?
Qual primeira premissa? Que a principal incumbência do PR é fazer cumprir a Constituição? Ou que o Cavaco tem provas dadas nesse domínio, que é de facto uma segunda premissa?
Se é a primeira-primeira, é o que prescreve a Constituição. Se é a primeira-segunda, é mais subjectivo, mas não me lembro de nenhum caso em que ele não a tenha feito cumprir, mesmo discordando, mesmo tendo sublinhado quando discordou.
Tanto quanto me é dado entender como leigo, a Constituição foi sempre cumprida pelos PR (já os 2 últimos Governos parecem sofrer de uma tendência marcada para tentar fazer passar leis inconstitucionais, sem sucesso).
Mas nem todos os problemas têm uma solução única dentro do quadro constitucional, ou o PR seria redundante.
E parece-me que o problema que relembrei ao "Pisca" poderia ter tido uma solução diversa sem que a Constituição fosse necessariamente violada... Não tenho a certeza que a solução adoptada tenha sido ditada por uma "boys" cumplicidade, para permitir ao Durão Barroso usufruir da promoção e do aumento de ordenado. Mas não foi certamente ditada por, dentro do que a Constituição permitia, procurar fazer respeitar a vontade do eleitorado.
Posso responder pegando apenas nisto:
«nem todos os problemas têm uma solução única dentro do quadro constitucional, ou o PR seria redundante», com que concordo.É por isso, também, que nunca votaria em Cavaco: há maneiras diferentes de cumprir a função presidencial, inseparáveis da pessoa e das suas opções - e as dele estão nos antípodas das minhas.
:-)
Eu quando escrevi essa frase antecipei que pegarias nela para justificar que não votas no Cavaco... mas mesmo assim preferi deixá-la ficar escrita.
Como a minhota que explicava as suas asneiras dizendo: "até aqui (à boca) vêem-me elas, daqui para fora boto-as eu!"...
Mas és capaz de me dar exemplos de opções do Cavaco como Presidente que tenham sido substancialmente negativas para Portugal e os portugueses, incluindo para nós?
Ou é apenas uma aversão fundamentada em símbolos, como por exemplo a expressão da sua opinião quando promulga uma lei de que discorda e tu (nós) concordas (concordamos), sendo que o que vale substancialmente é a lei promulgada e não a sua opinião sobre ela?
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