2.10.10

Premonições (óbvias)


Por conversas no Facebook, regressei ontem a um texto que eu própria escrevi, há quatro anos, depois de uma viagem à Costa Rica.

Trata-se de um país muito especial no contexto da América Latina e mantenho o que então resumi (sem ter tido a preocupação de actualizar alguns dados estatísticos), para chegar ao parágrafo final.

«O país tem quatro milhões de habitantes, é pouco maior do que metade de Portugal e cerca de um terço da sua área é protegida ecologicamente. (…)

A Costa Rica é considerada um caso de sucesso e percebe-se porquê: além do Atlântico e do Pacífico, «entalam-na» o Panamá e a Nicarágua, vizinhos não muito desejáveis. Entre guerrilhas sandinistas de um lado e Noriegas do outro, a Costa Rica mantém uma sólida democracia desde 1949. Entrou nesse ano em vigor uma constituição que atribuiu direito de voto universal aos dezoito anos (inclusive às mulheres e aos negros) e que aboliu as forças armadas. Iniciou-se assim um historial de pacifismo, especialmente significativo no contexto geoestratégico em que o país se insere. (…)

Vários indicadores revelam o sucesso de que se fala. Apenas um e dos mais significativos: o grau de literacia é muito superior ao dos vizinhos mais próximos e ultrapassa também o de Portugal: 96% versus 93,3%, com os mesmos critérios, devido a uma diferença de 5%, no caso das mulheres, a favor da Costa Rica!... Aliás, a aposta na educação desde 1949 é apontada como uma das causas do referido sucesso e faz com que, a par do turismo e da agricultura, a indústria de «microchips» e o desenvolvimento de «software» estejam já entre as principais fontes de receita. As telecomunicações são excelentes (tive cobertura de rede de telemóvel e «roaming» mesmo no meio da selva) e, num dos hotéis em que estive, paguei $12 por uma sopa mas a utilização da Internet era gratuita e ilimitada. A estabilidade política, os elevados níveis de qualificação das pessoas e o turismo atraem cada vez mais investimentos estrangeiros. O índice de pobreza terá diminuído significativamente nos últimos quinze anos e a taxa de desemprego é inferior à portuguesa.»

E chego agora ao parágrafo final que o meu interlocutor de ontem qualificou como «premonitório»:

«A Costa Rica é um país modesto. As estradas são más (péssimas, por vezes), a arquitectura de luxo não passou por ali, as povoações são aglomerados feiosos, as pessoas têm um ar muito simples. Visto a distância, Portugal parece um país de milionários, Lisboa é Paris quando recordada em S. José. Qualquer coisa está errada: ou uns vivem abaixo do que podem, ou os outros acima. De que lado estará o erro? Daqui a alguns anos, alguém verá. Eu tenho a minha opinião – oxalá me engane.»

Isto foi escrito em 2006 e, infelizmente, creio que não me terei enganado.
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4 comments:

Niet disse...

Ontem em telefónica conversa pela noite dentro com um casal de amigos politológos de Paris - luso-francês- foi-me adiantado que a administração Obama preza tanto Portugal que decidiu enviar a Lisboa o secretário-geral da OCDE. Soares, Barroso, Sampaio, Cavaco e Sócrates são aliados piedosos dos USA. E eles temem ver Portugal...com problemas sociais agudos, mais uma vez! Portugal deixou, portanto, de ser o " bom aluno " da U.Europeia para passar a ser " o parente pobre " fragilizado e em crise estrutural que urge defender.A que preço? Conordam com esta análise? Salut! Niet

Joana Lopes disse...

Niet,
Obama deve estar tão preocupado com Portugal como eu com o cão português que ele tem na Casa Branca...

Anónimo disse...

ola
Sim, não se enganou mbora haja algumas considerações e reflexões adicionais
JM

Niet disse...

Caríssima Joana: É uma análise de alta voltagem,veiculada/trabalhada por um politólogo da EHESS( Escola dos Altos Estudos em Ciências Sociais ), o Éden europeu das teses universitárias de nível insofismável. Obama interviu junto da Merkel e do Sarko por causa das nuvens sobre a economia espanhola, no início do Verão. É, pois, natural que tenha feito " pressão " sobre a direcção da OCDE. Sim, se calhar persuadiu-se que o Sócrates " entendia " dessa forma expeditiva melhor a mensagem. Claro, os antigos países satélites da URSS têm, estratégicamente, muito mais importância que Portugal. Mas...Seria preciso ler os blogues USA da Contra-Informação, como o faz o distinto J.Pacheco Pereira, claro. Salut! Niet