27.10.10

Um outro Outubro


Foi um post do Miguel Serras Pereira que me recordou que passa esta semana mais um aniversário sobre a «Revolução Húngara» de 1956.

Não entro em detalhes, mas é sabido que tudo começou no dia 23, no centro de Budapeste, com uma manifestação de milhares de estudantes que tentaram ocupar a rádio e foram reprimidos, que a revolta alastrou ao resto do país, provocou a queda do governo e a sua substituição. Que em 4 de Novembro se deu a invasão pelas tropas do Pacto de Varsóvia e que a resistência acabou daí a seis dias. A operação saldou-se por alguns milhares de mortos e por um verdadeiro êxodo de cerca de 200.000 húngaros, sobretudo jovens, que fugiram do país e pediram asilo um pouco por toda a Europa e também na América, do Norte ao Sul.

E é aqui que entra a minha história. Entre os muitos países procurados por jovens estudantes que foram saindo da Hungria assim que puderam, a Bélgica foi um deles e eu cheguei à Universidade de Lovaina um ano mais tarde. Já encontrei muitas dezenas e vi chegar outros, ainda com olhar inquieto depois de longas peregrinações por diferentes paragens. Partilhei residências universitárias com alguns e, curiosamente, houve imediatamente uma grande empatia ente húngaros e os pouquíssimos portugueses que por lá andavam.

Tudo era ainda muito recente, as histórias multiplicavam-se e estarreciam-me pela total novidade que eram para quem nunca na vida tinha conhecido qualquer cidadão de Leste. Durante muito tempo, estudei, li e interpretei muitas realidades, não só mas também com olhos húngaros, e quando vi Praga 68 foi Budapeste 56 que imaginei permanentemente.

Poderia contar dezenas de episódios, mas limito-me ao mais trágico: um surto de loucura, (latente, certamente, mas que só se revelou seis anos depois da fuga) numa rapariga impecável e inteligentíssima que um dia se barricou no quarto durante várias horas, ameaçando suicidar-se, porque via caras de soldados russos reflectidos no lavatório e tinha outras alucinações do mesmo tipo. Só cedeu a um polícia, também inteligente, que do outro lado da porta a convenceu de que vinha prender os russos e a levou para um hospital psiquiátrico.

Isto passou-se na residência onde ambas morávamos, a alguns metros de distância. No dia seguinte defendi a minha tese de doutoramento e dois dias depois regressei a Portugal. O fim da minha longa estadia belga ficaria para sempre ligado a uma terrível recordação de Budapeste 56.
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2 comments:

Niet disse...

Bom Dia, Joana Lopes: Testemunho muito profundo,o seu. Eu tenho um amigo húngaro- talvez, já com a nacionalidade portuguesa, nunca lhe inquiri-que estudou em Paris, casou com uma cientista lusa e steve pra ser uma espécie de secretário-geral do Público, dada a fantástica inteligência e capacidade de trabalho que sempre demonstrou. Budapeste 56, foi com grande intensidade e dramatismo, hélàs,uma tentativa antecipada de Maio 68.Fica na História como um dos primeiros combates contra a plutocracia dita " soviética ". Salut! Niet

Joana Lopes disse...

Obrigada, Niet.
Budapeste foi uma espécie de ensaio geral para Praga. Correram ambos mal...