10.11.10

Para além de um congresso


Como tem vindo a ser noticiado, Raúl Castro convocou, para a segunda quinzena de Abril, o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, no qual serão definidas as novas directivas económicas para o país, depois da recente decisão de alargar o campo de actividade da iniciativa privada.

Anunciou também que:
«El Congreso no es sólo la reunión de quienes resulten elegidos como Delegados, sino también el proceso previo de discusión por parte de la militancia y de toda la población de los lineamientos o decisiones que serán adoptados en el mismo. (…)
Por tal motivo el sexto será un Congreso de toda la militancia y de todo el pueblo, quienes participarán activamente en la adopción de las decisiones fundamentales de la Revolución.»


Porque lhe manifestei a minha perplexidade perante esta sua «crença», e porque a resposta não me convenceu, insisto. Podia referir um sem número de temas, mas limito-me a uma única questão:

Como é que se pode acreditar que um governo deseja mesmo «a participação de todo o povo» nas decisões e ao mesmo tempo não quer, em solo cubano, cidadãos seus que disse que libertaria e não liberta? Em 7 de Julho passado, depois de uma mais do que discutível intermediação de bispos cubanos e de políticos espanhóis, houve um compromisso público de libertar 52 opositores, do Grupo dos 75, num prazo máximo de quatro meses (prazo agora expirado, portanto). Foi entretanto concedida a liberdade a todos os que aceitaram partir para Espanha ou para os Estados Unidos, e até a outros não incluídos no grupo inicial, mas não aos que afirmaram recusar sair de Cuba – esses, os tais 13, continuam presos. Todos classificados como «prisioneiros de consciência» pela Amnistia Internacional.

Que sentido faz proibir algumas saídas como, por exemplo e repetidas vezes, viagens pontuais de Yoani Sánchez ao estrangeiro e, ao mesmo tempo, obrigar outros a partir sob pena de continuarem encarcerados? É assim que se «envolve o povo»? É isto admissível em qualquer tipo de democracia? Necessário para a construção do socialismo???
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6 comments:

Fernando disse...

É pertinente, a questão dos presos em Cuba, mas não sempre. Creio que invocar a questão na caixa de comentários daquele post é tudo menos oportuno. O post do Rafael centra-se numa questão verdadeiramente importante: o povo cubano terá alguma margem para tomar as rédeas do seu destino, ao contrário da Europa em que o poder económico é algo que estamos longe de controlar. Enfiar presos políticos neste contexto, só com a ajuda de um martelo.

Joana Lopes disse...

Ora essa: desde quando é que se pode, ou se deve, separar a plano político do económico, mesmo acreditando - e eu não acredito - que «o povo cubano» tenha margem para tomar as rédeas do seu destino?

Salazar também tomou conta das finanças deste país e é bom não esquecer a que preço!

rafael disse...

Cara Joana,

antes de mais tenho que lhe apresentar um pedido de desculpas por apenas agora estar a voltar a encetar este debate consigo. Obrigaçoes familiares e uma gripe impediram-me de o fazer atempadamente.

Mas vamos ao cerne da questao. A Joana considera que o facto do Governo Cubano nao ter libertado ainda todos os presos conforme tinha prometido é factor de preocupaçao. E eu acompanho-a. Nao pelos motivos que a Joana provavelmente terá, mas porque me fui habituando a que dos dirigentes cubanos nao venham mentiras nem desculpas. Quanto muito omissoes e silêncios, mas mentir nunca me pareceu ser uma caracteristica do PCC.

No entanto, estou em crer que tal processo de libertaçao se dará com algum atraso, mas dará. Prova disso, é a libertaçao ontem de um dos presos e que ficará na ilha (segundo a comunicaçao social, sem nenhum tipo de condiçoes).

Relativamente a Yoani Sanchez, tenho pena que uma figura dessa natureza seja levada ao colo pela imprensa mundial e parece-me que os premios q lhe sao atribuidos sao apenas uma forma encapotada de financiar uma oposiçao cubana sem nenhum tipo de base social de apoio. até à Joana lhe parecerá estranho a quantidade de premios recebidos em tao curto espaço de tempo. E depois de ler a entrevista que ela deu a Salim Lamrani, nao compreendo (a nao ser pela razao supracitada) como é q é considerada uma das 100 figuras mais influentes do mundo (2008) ou recebe uma distinçao como o premio Ortega y Gasset, seis meses depois de ter criado o seu blog...

Uma critica q vinha vindo a ser feita na blogosfera oposicionista cubana era exactamente o atraso do VI Congresso, nao percebo por isso a posiçao de Yoani (e compartida por outros) que a Joana transcreve em post posterior a este. Ora, se por um lado critica-se a nao marcaçao de um congresso e a seguir critica-se a sua marcaçao porque acredita-se q nao tem conteúdo programatico efectivo? Entao para q, pedi-lo ou reclamar do seu adiamento em primeiro lugar?

E pq ignorar o anuncio tb feito da Conferencia do PCC que incidirá sobre a organizaçao do Partido e do qual se esperam sinais importantes para a passagem de testemunho da chamada "geraçao historica"?

Por agora creio que terei abordado algumas das questoes q me pareceram mais importantes, mas aconselho-a vivamente a "passear-se" por outra blogosfera cubana. Uma "oficialista" e critica, simultaneamente e que tenho acompanhado com muito agrado.

deixo-lhe aqui alguns:

http://lajovencuba.wordpress.com/
http://paquitoeldecuba.wordpress.com/
http://lapupilainsomne.wordpress.com/

cumprimentos
rafael

Joana Lopes disse...

Rafael,
Deixe-me citar uma frase de Aung San Suu Kyi que li há cinco minutos: «A democracia é a liberdade de expressão.» Trivial, mas seria o que eu responderia se me fizessem a mesma pergunta.
Por isso me choca tanto que essa mesma liberdade continue a ser limitada em Cuba e que, por esse motivo, haja ainda gente presa.

Acredito que o governo cubano acabe por cumprir a promessa que fez aos bispos (lamentando embora que não tenha envolvido na negociação os representantes dos opositores ao regime, que, concederá, não são todos agentes da CIA…), mas a demora é, no mínimo, bem significativa.

Não falei de pedidos nem de adiamentos de Congresso e no texto de Y.Sánchez, que citei num outro «post», lamenta-se a aparente falta de referência a direitos civis (liberdade de expressão, por exemplo) no programa anunciado. Por isso o fui buscar.

Quanto à popularidade da blogger em questão, o Rafael sabe tão bem como eu que vivemos num mundo totalmente mediatizado em que algumas personalidades são rapidamente transformadas em símbolos. É um fenómeno universal, com características e consequências, para o bem e para o mal. Cada um de nós gosta de alguns e repudia outros – é a vida…

Finalmente, sorrio quando leio que se foi «habituando a que dos dirigentes cubanos nao venham mentiras nem desculpas». Santos???

rafael disse...

Cara Joana
«A democracia é a liberdade de expressão.»
Eu tambem acho, mas nao só. Acho q além da liberdade de expressao, a democracia é composta de muitas mais coisas. é a aboliçao da fome, é o direito à saúde sem nehum constrangimento economico, é o direito ao descanso e à paz, é o direito a vivermos e sermos tratados como iguais: a defesa da equidade (nao igualitarismo), de que as diferenças entre os cidadaos sao resultantes de uma ponderada valorizaçao do seu contributo para a sociedade e que nao permite diferenças abissais e aterradoras. Eu acho que só isto é que é democracia. Como dizia o outro "liberdade de expressao sem pao nao é liberdade".

Reconheço que em certos casos, possa ter havido a aplicaçao de penas excessivas e que no enredado de detençoes de que falamos, tenham sido apanhados alguns criticos sem apoio directo da USAID. Se tal for o caso, é de condenar. Mas do pouco que li (nomeadamente os acordaos de condenaçao), os crimes de que sao acusados os detidos nao sao de emitirem posiçoes contrarias ao governo cubano, mas sim de deterem material (informatico, radiofonico, etc) com vista a espalhar a radio marti e cª. Nao é de menosprezar os efeitos historicos q a propaganda norte americana tem na ilha- nomeadamente com a operaçao Peter Pan, só para destacar a mais cruel. Os cubanos têm boas razoes para ter receio da ofensiva da contra-informaçao norte-americana...
Isso sem contar com a passagem de informaçao sobre empresas que negoceiam na ilha (com as obvias condicionantes economicas que isso implica, devido ao bloqueio)

Nao vejo tambem razao para o envolvimento dos "opositores" na negociaçao q foi levada a cabo. Q tipo de representatividade têm? que base de apoio social? Apenas por terem atençao mediatica, parece-me pouco, sinceramente.

Quanto a Yoani, aqui nao se trata nem de gostar ou deixar de gostar, (confesso que a moça escreve bem) mas parecer estranho tanto prémio, tanta traduçao gratuita (18 linguas, nao é?), nao sei se o papel dela é de peao, bispo ou cavalo mas que é uma peça do tabuleiro, sem duvida, pelo menos na minha opiniao...

Para terminar, santos nao, mas tao pouco demonios...

Joana Lopes disse...

Rafael,
Podíamos escrever tratados que nenhum de nós «converteria» o outro. Algumas notas apenas.
1 - «A democracia é a liberdade de expressão.» Claro que não só, mas indispensável: um país onde é limitada e punida, como em Cuba, NÃO é uma democracia. Ponto.
2 - «Nao vejo tambem razao para o envolvimento dos "opositores" na negociação». Essa é forte! Para si, não há opositores em Cuba senão por causa de atenção mediática??? Não têm associações? São todos da CIA? Se assim fosse, e não é, seria um péssimo sinal. E os bispos representam quem??
3 – A YS não me interessa tanto como julga: cito-a quando concordo.

Mas atrás de tudo isto, há, da sua parte, uma «crença» no regime cubano, que eu já tive - e de que maneira - mas que perdi há muito, muito tempo.
O comunismo falhou, Rafael, em toda a parte. O capitalismo também. Outra coisa virá mas é preciso ter-se o espírito LIVRE para ir descobrindo e construindo.