13.7.11

As civilizações também se abatem


4ª Feira é dia de crónica de Rui Tavares no Público e a de hoje veio tocar algumas campainhas a que sou especialmente sensível. (Clicar na imagem para ler. Online, para já, só em inglês…)

Há muito que penso, sem qualquer pretensão de originalidade, que é muito provável que estejamos a viver a última fase de um certo protagonismo que a Europa ainda tem no mundo (menor do aquele que a própria imagina, mas ainda assim…). Mais: dada a velocidade a que tudo se passa nos tempos que vão correndo, e tendo em conta os acontecimentos recentes dos quais o «drama» financeiro é apenas a ponta do icebergue, é bem possível que o fim só não esteja à vista porque recusamos olhar para a linha do horizonte. Se o fizéssemos, talvez retardássemos o processo ou, pelo menos, limitássemos melhor os estragos. Mas parecemos estar a escolher o caminho diametralmente oposto.

É neste contexto que insiro o que Rui Tavares escreve:

«Não pensamos nisto todos os dias, mas as entidades políticas acabam. A União Soviética acabou – quem o imaginaria um par de anos antes? Acabaram grandes impérios como o Austro-Húngaro – e também em pouco tempo. (…)
Um evento financeiro em grande escala não se limita nunca a um mero evento financeiro, mas é um catalisador de consequências sociais e políticas pelas quais às vezes se paga um preço duríssimo. (…)
Na Europa, não vejo um cenário de desagregação que não seja arriscado. Mesmo que fiquemos longe das calamidades de que este continente é capaz, basta o desenvolvimento das tendências actuais para que a União Europeia seja globalmente irrelevante daqui a trinta anos.»

Julgo que é para aí que caminhamos. Tirei da frase a palavra «infelizmente», que tinha inicialmente utilizado, porque não corresponde ao que sinto: sei lá se é infelizmente! Sem dramatismo: outros passarão, estão já a passar, para a linha da frente.
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6 comments:

Miguel Serras Pereira disse...

Sim, Joana - tanto tu como o Rui têm decerto razão. Mas, infelizmente, sem aspas, o que se passa é que, se pouco me importa que a Europa esteja na linha da frente por mor de ser a dianteira ou vanguarda que prevalece sobre os outros, importa-me muito que a linha da frente, seja quem for que a integre, seja a da democracia, ou democratização, global. Para mim, é aí que a sobrevivência do legado europeu - ou parte do legado europeu - importa: importa que sobreviva, cresça e se multiplique, se afine e se expanda. Quanto ao destino da Europa como potência, entendo que a potencial potência de uma UE refundada só é defensável na medida em que se confunda com a defesa de um polo democratizador , racionalmente emancipado e laico capaz de intervir à escala global. Mas, dito isto, na medida em que, ainda que remota, esta perspectiva mantiver alguma verosimilhança, não devemos abrir mão do q.b. de Europa necessário.

Abraço

miguel (sp)

Joana Lopes disse...

Miguel,
É evidente que é fundamental que a linha da frente seja a da democratização global e eu, a longo prazo, sou optimista nesse ponto. E, sim, qualquer que seja o futuro, o papel da Europa terá sido fundamental para que isso aconteça.
Quanto ao nosso destino próximo, tendo a pensar que não se trata de abrir mão ou não abrir, mas de lutar pela sobrevivência da democracia e de (um mínimo…) de igualdade APESAR da Europa.

Jorge Conceição disse...

Algumas observações avulsas:

- Como é que a saída do euro obriga à saída da UE? Nem todos os países da UE são os do euro. E existem estados que, não sendo da UE possuem o euro.

- Continua a pensar-se colectivamente que o que a democracia, a federação política, etc., têm que ser construída em torno dos mercados, berço da actual UE (ex--Mercado Comum e também, em parte, ex-EFTA).

- Não se dá nunca a mínima importância ao Conselho da Europa, que congrega 47 dos 48 estados europeus e que é mais antigo que a UE, mesmo com as suas designações anteriores de CEE e CU. Acontece que é exactamente a cidadania, a democracia, os direitos do cidadão que enformam esta plataforma internacional a que Portugal (depois da Mª de Lurdes Pintasilgo) não dá a mínima atenção: vidé a recente Universidade de Verão do Conselho da Europa, com larguíssima participação internacional, mesmo fora dos limites da Europa (Egipto, Tunísia, etc.) e, que eu saiba, sem um único português. Em termos práticos, nunca se ouviu nos tempos recentes qualquer tipo de comunicação ou informação nacional por parte dos nossos 7 deputados efectivos e dos 7 suplentes. Os congressos do Poder Local têm tido uma ou outra esporádica participação das nossas autarquias. Mas nessas autarquias (muito poucas) alguém sentiu os efeitos da participação nacional? E mesmo no das regiões... basta dizer que o nosso representante é o soba da Madeira!...

Joana Lopes disse...

Boas perguntas, Jorge, para as quais não tenho qualquer resposta. Mas o Conselho da Europa também não se faz ouvir...

Jorge Conceição disse...

"O Conselho da Europa não se faz ouvir..."

Talvez o CdaE devesse fazer-se ouvir ultrapassando a inércia dos nossos políticos (sobretudo os Ministros do Comité de Ministros e os deputados parlamentares à Assembleia Parlamentar) e a falta de cultura política de grande parte dos nossos jornalistas.

Para dar uma ideia do grau de interesse/empenhamento que os nossos parlamentares têm nesta área, vejamos o seguinte:

- Temos 7 deputados efectivos e 7 suplentes, que seguem a percentagem de distribuição existente na Assembleia da República. Actualmente (ainda não foram introduzidas as correcções resultantes das últimas eleições) temos efectivos 4PS e 3PSD e, suplentes, 3PS, 2PSD, 1BE e 1CDS. (Aqui também podemos notar que os partidos minoritários não terão chances de serem deputados efectivos na APCE).

- Por ano existem 4 sessões plenárias da APCE, cada uma no início de um trimestre. Eis o número de votações de deputados portugueses nas 3 sessões que já aconteceram neste ano:
. 1ª: em 94 votações possíveis, Mota Amaral votou 50, Ana Mendes (PS) 42, Vera Jardim 38, Maria de Belém 21, Mendes Bota 15, Telmo Correia 6 e Luísa Roseira (PSD) 2.
. 2ª: em 67 possíveis, Mendes Bota 33, Mota Amaral 28 e Vera Jardim 6.
. 3ª: em 97 possíveis, Mendes Bota 39 e Mota Amaral 6.
(O "interesse" vai diminuindo ao longo do ano...).

Como curiosidade, ainda, na 3ª sessão, que ocorreu entre 20 e 24 de Junho, não existiram votações portuguesas nas propostas que envolvessem problemas sociais, de solidariedade, de democracia ou de cidadania (desemprego dos jovens, estatutos para a juventude, direitos dos refugiados e dos desalojados, os casos dos actuais boat-people, etc.). Os deputados portugueses (Mendes Bota e Mota Amaral) limitaram-se a votar documentos normativos e de administração interna da APCE...

- Bom, e estando sediado em Lisboa um orgão do CdaE, o Centro Norte-Sul (que se diz ser a janela do CdaE sobre o mundo...) que efectua regularmente acções de carácter internacional nas áreas da cooperação, solidariedade, cidadania e democraticidade, nunca é explicado ao público o significado desse orgão, nem do CdaE, limitando-se a citar declarações de oradores ilustres, como aconteceu há um ano com o discurso de Jorge Sampaio.

Jorge Conceição disse...

Permite-me que corrija o meu último comentário: quando digo, por exemplo "em 94 votações possíveis", deveria dizer qualquer coisa como "o deputado que nessa sessão efectuou o maior número votações foi 94". Porque se trata de scores individuais dos deputados. O número de possibilidades de votação foi substancialmente superior, talvez da ordem das dezenas vezes mais (haveria que se somar a totalidade dos votos em cada documento e respectivas emendas).