7.7.11

Para além da espuma dos dias


Estou longe de ser admiradora incondicional de Boaventura Sousa Santos, e discordo muitas vezes do que escreve, mas li ontem grande parte do seu último livro (*) e destaco este parágrafo que, sem trazer nada de novo, resume de um modo simples e directo muito do que penso e para que encontro pouco eco. Sem ter medo de «etiquetas», hoje politicamente incorrectas.

«O que é novo hoje é o facto de as classes populares se terem apropriado do ideal democrático, entrando no jogo democrático, apesar das condições adversas e das muitas frustrações, dando ao conceito e prática da democracia entendimentos novos e mais ricos (demagogia participativa), expandindo-se para campos sociais antes vedados ao jogo democrático (família, escola, comunidade, relações entre sexos e entre grupos étnicos, etc.) e conquistando através das lutas democráticas alguns direitos importantes. O ataque sistemático que o capitalismo global tem vindo a fazer a estas conquistas – um ataque que se torna mais virulento à medida que o capitalismo financeiro prevalece sobre o capital produtivo e o Estado – é vivido pelas classes populares como uma crise da democracia. A centralidade desta crise, sendo vivencial, é também estrutural; revela que o capitalismo só é compatível com formas muito pobres de democracia (democracia de baixa-densidade, semi-democracia, democracia política combinada com fascismo social). Assim sendo, deixa de fazer sentido discutir a crise do capitalismo fora do muro da crise da democracia (o que é novo para a esquerda) tal como deixa de fazer sentido não questionar o capitalismo como um obstáculo à democratização (o que é novo para a social-democracia). A luta pelo aprofundamento da democracia é necessariamente uma luta anti-capitalista.» (p. 85)
(O realce é meu.)

(*) Portugal. Ensaio contra a autoflagelação, Almedina.
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2 comments:

Niet disse...

No Bom Caminho, viva ! Niet

Fada do bosque disse...

Concordo mais com esta visão:

Estadismo
Estado, em qualquer lugar

E ao longo das décadas este sistema tem dominado todos, disfarçado sob outros rótulos: fascismo, comunismo, socialismo, nacional-socialismo, social-democracia, peronismo, New Deal, Capitalismo de Estado. Até o termo "Capitalismo" é hoje utilizado para indicar este corporativismo neo-mercantilista (com o qual, que fique claro, não tem nada a ver).

Para entender a transformação do Capitalismo em pútrido corporativismo é suficiente observar a atitude dos produtores e dos comerciantes contra o Estado.

No final do século XVII, como relatado pelo Marquês de Angerson, parece que Colbert, Ministro do Rei da França, pediu aos representantes das classes produtivas: "O que posso fazer para vos ajudar?", tendo como resposta a afirmação do mercante Legendre: "Deixem-nos fazer" («Que faut-il faire pour vous aider?» «Nous laisser faire»).

Durante o Novecentos, no entanto, e até hoje as classes empresariais têm choramingado pelo facto de sentir-se sozinhas e abandonadas, pedindo, sem parar, ajudas estatais, facilitações e protecção.

O Estadismo dominou por quase um século, desde a eclosão da I Guerra Mundial em 1914 até a queda do Muro de Berlim, em 1989. Mas a partir daí, algo aconteceu.

Onde antes o Estado era visto como atemporal e omnipresente, Estado ao qual as empresas fartavam-se de pedir, agora é afirmado que temos de ultrapassar esta visão: o Estado de repente ficou obsoleto.
De maneira paradoxal, agora que o Estado parece mais presente (a dívida pública, as decisões dos Governos) na realidade está a exalar os últimos respiros. Porque é claro que o Estado assim como foi pensado até hoje não tem capacidade para continuar.
As privatizações são uma espécie de eutanásia: para poder pagar a dívida, criada para sustentar o Estado, o Estado agora vende as próprias empresas, tornando-se assim ainda mais leve, menos presente na sociedade e nos mercados e com menores capacidades de prosperar.(...)

(...)Isso porque, repetimos, a função do Estado na actual sociedade é outra: controlar os cidadãos e ajudar as corporações. Não é Capitalismo, não é Comunismo, não é Socialismo, não é Liberalismo. É o Estado ao serviço das corporações.

E sim, estamos longe, bem longe do Capitalismo e ainda mais da Democracia