Vi e ouvi o discurso de Cavaco nas cerimónias de ontem. Pareceu-me totalmente insípido, incolor e inodoro, a não ser numa ou outra passagem mais do que infeliz, não só quando nos convida a redescobrir «o valor republicano da austeridade digna», mas também porque continua a querer que salvemos a pátria na procura de «paisagens esquecidas» e no afago do «património histórico».
Logo a seguir assisti, atónita, às reacções elogiosas ou comedidas de líderes partidários, depois de Mário Soares («Gostei. Sinceramente gostei, porque foi o discurso mais republicano dos que ouvi»), mais tarde de um pequeno batalhão de comentadores televisivos (honrosa excepção para Daniel Oliveira, como seria de esperar). Que sim, que tinha sido um bom discurso, o possível, até o óptimo.
Calei-me e atribuí-me culpas pela impossibilidade de qualquer empatia pelo personagem e seu linguajar. Mas valeu-me, uma vez mais, Manuel António Pina na sua crónica de hoje:
«Pois que, para haver unanimidade entre fracções tão díspares do quadro ideológico parlamentar, há-de provavelmente ser muito simples, ou muito vago, o denominador comum. Ou então - e, depois da leitura da obra em causa, inclino-me para essa hipótese - tratar-se-á de um discurso de tipo oracular, espécie de fato de medida universal e geometria variável onde cabem tanto magros como gordos.
O PSD viu nele "realismo" e "motivação"; o CDS-PP apelos ao "realismo", à "produção nacional", à "ponderação" e à "solidariedade"; o PS a importância do "crescimento sustentável"; o PCP o apelo ao "combate ao desemprego" e à "produtividade nacional"; e o BE o apelo ao "combate ao desemprego" e ao "crescimento".
Como diz Schopenhauer, vemos leões nas nuvens como vemos sentido na História: não porque eles lá estejam, mas porque procuramos vê-los.»
É isso: andam todos a ler Schopenhauer. Na melhor das hipóteses.
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1 comments:
Pelos vistos houve mais gente a ouvir o discurso do que praiantes.
Com um tempo tão bom! E sem crise!
Nem no tempo da mocidade em flor!
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