12.12.11

Auditorias


Para melhor se perceber do que se fala quando se anuncia o início do processo de um Auditoria cidadã à dívida pública em Portugal, começo a divulgar alguns documentos que relatam o que outros países já fizeram ou estão a fazer. Para começar, o caso na Irlanda.

Uma Auditoria da Dívida Pública Irlandesa

Uma nota sobre o âmbito

Esta auditoria propõe-se quantificar a dimensão da dívida nacional irlandesa no primeiro semestre de 2011. Ao fazer isto, examina-se toda a dívida em que o Estado irlandês tem responsabilidade directa ou indirecta. Isso amplia o âmbito para além do que é normalmente entendido como Dívida Soberana para incluir dívida emitida por bancos privados, mas suportado por uma garantia estatal. Também examina outras actividades de mercado que tem impacto sobre o valor ou a percepção de obrigações emitidas ou garantidas pelo governo irlandês. Especificamente neste contexto, algum esforço é gasto em Credit Default Swaps e na venda a descoberto.

Por definição, o âmbito de uma auditoria é limitado a um determinado período de tempo, neste caso, o primeiro semestre de 2011. Uma vez que todas as fontes de dados não estão disponíveis para todas as datas, temos claramente indicada a data e a fonte de todos os valores aqui incluídos. Todos os esforços foram feitos para verificar de forma independente as quantidades de material e para contabilizar de uma forma consistente as conversões de moeda. Apesar disso, por causa de variações nas conversões de moeda e algumas diferenças quanto às datas, algumas inconsistências permanecem. No entanto, estamos felizes por esta auditoria apresentar uma análise aprofundada e actualizada da questão da dívida e contribuir para o conhecimento público sobre o assunto. Desejamos que este trabalho possa ser estendido e continuado por outros. Para facilitar, detalhamos as nossas fontes de informação, e onde foi possível, incluímos URLs para as fontes online. Mais detalhes sobre os termos de referência estão incluídos no corpo do relatório.

Sumário Executivo

Esta é uma auditoria da dívida soberana da Irlanda, e como tal procura-se quantificar e explicar as dívidas, tanto reais como contingentes, das quais o povo irlandês se tornou responsável. Como tal, o nosso foco principal é direccionado para títulos emitidos pelo governo irlandês e passivos dos bancos a longo prazo garantidos pelo governo irlandês. Além do referido, examinamos alguma actividade do mercado, incluindo a venda a descoberto e os Credit Default Swaps, a fim de explicar o seu impacto no mercado de dívida soberana. Temos três objectivos. Enquanto auditoria, o nosso objectivo é reunir e verificar os dados para produzir uma imagem da dívida irlandesa o mais abrangente e precisa quanto possível, incluindo a origem e escala das dívidas. Há um esforço de educação pública, em que procuramos criar uma descrição, acessível e compreensível da dívida irlandesa para ajudar as pessoas a compreender uma situação muito complexa. Finalmente, através do fornecimento de referências detalhadas ao material de origem, esperamos que constitua uma base útil para outros prosseguirem trabalho futuro nesta área.

Na dívida pública irlandesa, o total de títulos emitidos directamente pelo governo tem aumentado acentuadamente nos últimos anos, e à medida que os bancos domésticos foram sendo recapitalizados. Desde Setembro de 2010 que o estado irlandês não se financia nos mercados, mas entre os investidores, os títulos continuam a ser negociados no mercado secundário. Devido à forma em que isto é feito, através de uma câmara de compensação, a identidade dos detentores dos títulos num determinado momento não é conhecido. Esse anonimato é discutido na conclusão desta auditoria, e contrastada com a posição dos accionistas. A informação limitada disponível sobre a identidade dos detentores de títulos do governo irlandês, conforme é discutido na Secção 2 do relatório, indica que a maioria não é residente na Irlanda.

Além da emissão directa de títulos, o governo irlandês tem passivos contingentes de outras dívidas, incluindo depósitos em bancos irlandeses, títulos emitidos por NAMA (N.T.: National Asset Management Agency - Agência Nacional de Gestão de Activos), e as garantias bancárias de 2008 e 2009. Esta garantia, mais tarde conhecida como o regime ELG (N.T.: Eligible Liabilities Guarantee - Garantia de Obrigações Elegíveis), garante alguns dos títulos emitidos pelos bancos cobertos. Este tema é tratado na Secção 4 do relatório. É interessante notar neste ponto que existem outros títulos emitidos por bancos irlandeses, comummente referidos como títulos sem garantia, que não são especificamente cobertos pela garantia do governo. Estes podem ser divididos entre os títulos seniores e títulos subordinados, sendo estes últimos instrumentos de maior risco, o que reduziu os direitos ao reembolso. Até à data, os bancos estatais continuaram a fazer reembolsos de títulos seniores.

Além de garantir títulos no âmbito do regime ELG, o Estado irlandês tem prestado apoio aos bancos protegidos com a emissão de notas promissórias ao longo de 2010 aos bancos Anglo Irish Banks, Irish Nationwide e, em menor medida, ao EBS. Estas notas promissórias são tratadas como um activo nos livros dos bancos, permitindo-lhes usá-las como colateral de crédito. Desde a perspectiva do governo irlandês, eles são um passivo, similar a um IOU (N.T.: I owe you - Eu devo-te), e por isso precisam de ser reembolsados ao banco após um período de tempo.

Além disso, o governo irlandês fornece ajuda de emergência de liquidez (N.T.: Emergency Liquidity Assistance, ELA) aos bancos protegidos. Esta é uma linha de crédito de curtíssimo prazo, fornecendo liquidez aos bancos por períodos de um dia a uma semana ou duas. O empréstimo ELA transfere efectivamente o risco dos bancos para o Estado irlandês.

Existem várias relações circulares potencialmente confusas relativamente à posse do banco e da dívida pública. Por exemplo, os bancos irlandeses cobertos pela garantia do governo (as "instituições abrangidas") detêm títulos do governo irlandês, tornando-os credores do governo, assim como mutuários. Parece provável que as notas promissórias emitidas aos bancos pelo governo também são utilizados pelos bancos como garantia para emprestar ainda mais ao abrigo do regime ELA. O BCE tem comprado títulos de bancos irlandeses sob o Securities Markets Programme. As instituições abrangidas também têm títulos uns dos outros, e também emitem títulos para eles mesmos. Estes "títulos de uso próprio" são um passivo e um activo, e enquanto são usados como activo, são usados como garantia para pedir dinheiro emprestado no exterior.

A Secção 6 do relatório tenta separar essas relações e fazer uma estimativa conservadora da escala total das dívidas para o qual o povo irlandês tem responsabilidade directa ou indirecta. Somos conservadores já que procuramos evitar dupla contagem, e onde se devem declarar pressupostos, assumimos que os activos detidos pelos bancos são usados como garantia para empréstimos adicionais. Usando dados do final do primeiro trimestre de 2011 – a data mais recente para o qual existe informação completa – calculamos o montante do passivo dos bancos para os quais o governo assumiu a responsabilidade, netting off (N.T.: acção de compra e venda de partes diferentes dentro do mesmo período de liquidação e, em seguida, usando o produto da venda para cobrir as compras) sempre que possível, para chegar a um valor global para a dívida pública real e contingente nesta data.

A Secção 7 discute o short selling (N.T.: venda a descoberto) e o uso de Credit Default Swaps (CDS), e seu impacto sobre o mercado de dívida pública. A secção 8 conclui com uma discussão sobre o perfil dos investidores na dívida pública irlandesa, a sua natureza pan-europeia, a natureza anónima dos títulos, e a cultura de confidencialidade e sigilo que os rodeia. A Figura 13 é uma representação gráfica da imagem global da dívida, mostrando de uma forma simplificada os principais actores e a relação entre estes.
Globalmente, é claro que a maior parte da dívida pública irlandesa surgiu directamente da crise bancária, e da decisão em Setembro de 2008 de resgatar todos os bancos irlandeses, e das subsequentes operações ELG e ELA. A importância dos detentores da dívida na determinação da política sugere que a sua relação com o Estado irlandês é mais controladora do que é habitual para os obrigacionistas, e fortalece o processo contra o seu anonimato.

Na íntegra AQUI.
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