23.12.11

Dito por aí (7)

@João Abel Manta

«Na sua compreensão mecânica e sem alma da realidade, os liberais destinam às massas humanas um irrecusável princípio de transumância. Nos gráficos a que rezam e nas curvas que os enlevam, os liberais conseguem vislumbrar uma racionalidade segundo a qual os indivíduos, como o gado, estão condenados a um deslocamento sazonal para locais que oferecem melhores condições. Aliás, para os liberais os indivíduos são uns sortudos: enquanto os rebanhos se têm que deslocar duas e três vezes todos os anos, as pessoas só se deslocam uma ou duas vezes na vida. A essa pastorícia dos humanos, os liberais chamam "ajustamento espacial da mão-de-obra à disponibilidade do factor trabalho".»
José Manuel Pureza, A transumância

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«Os portugueses não precisam que lhes indiquem quando e se devem emigrar - tal como respirar está-lhes no ADN. Os portugueses estão acabrunhados e com medo do amanhã, a última coisa que precisam é que os empurrem para fora do seu país. Eles irão ou não, como entenderem. Eles. Os governantes que se candidataram, ainda há pouco, a governá-los a todos, não podem, agora, querer descartar parte deles.»

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«Parece que há excesso de portugueses em Portugal. Para remediar tão desgraçada contrariedade, o Governo decidiu minguar-nos tomando decisões definitivas. (…)
Acontece um porém: e os velhos? Que fazer dos velhos que enchem os jardins e a paciência de quem governa? Os velhos não servem para nada, nem sequer para mandar embora, não produzem a não ser chatices, e apenas valem para compor o poema do O'Neill, e só no poema do O'Neill eles saltam para o colo das pessoas. Os velhos arrastam-se pelas ruas, melancólicos, incómodos e inúteis, sentam--se a apanhar o sol; que fazer deles?
Talvez não fosse má ideia o Governo, este Governo embaraçado com a existência de tantos portugueses, e estorvado com a persistência dos velhos em continuar vivos, resolver oferecer-lhes uns comprimidos infalíveis, exactos e letais. Nada que a História não tivesse já feito. Os celtas atiravam os velhos dos penhascos e seguiam em frente, sem remorsos nem pesares.»
Baptista-Bastos, A mentira e o desprezo
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3 comments:

alf disse...

não tenho nada a comentar, apenas quero agradecer - agradecer a exsitência deste blogue.

Joana Lopes disse...

Obrigada, caro alf.

Joana Lopes disse...

N.B.-Por lapso, eliminei um Comentário assinado por Nan, com o seguinte texto:
Magnífica colheita. Vou partilhar