Texto de Artur Pinto, enviado para publicação neste blogue. O autor foi activista na Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, em 1961/1962, e é um dos principais animadores das comemorações que terão lugar no próximo dia 24.
«COMUNICADO
Lisboa, 26 de Março de 1962
Colega:
Efectuou-se anteontem o maior atentado de sempre contra a autonomia da Universidade e a dignidade dos professores e alunos. Por ordem do Governo foi encerrada a Cantina Universitária, passando-se por cima do Sr. Reitor, das Associações e da Comissão Administrativa da dita Cantina.
Camiões da polícia, transportando centenas de polícias de choque, armados de pistolas-metralhadoras, tomaram a Cidade Universitária. Tudo isto, para que lá se não realizassem os Colóquios e o jantar de confraternização do Dia do Estudante.»
Este comunicado, assinado pelas Associações de Estudantes, relatava os factos que deram origem à Crise Académica de 62, que se prolongaria por quase quatro meses: foi a maior e mais longa luta estudantil durante e contra a ditadura. De permeio, assistiu-se a uma greve às aulas nas universidades de Lisboa, Coimbra e Porto, a muitas cargas policiais algumas com invasão de instalações universitárias, ao pedido de demissão do reitor da Universidade Clássica de Lisboa, Prof. Marcelo Caetano e à prisão, na noite de 10 para 11 de Maio, dos cerca de 1.500 estudantes que se encontravam na cantina universitária em solidariedade com os seus 81 colegas que faziam a Greve de Fome. Tudo isto só foi possível porque as estruturas estudantis tiveram uma prática democrática de decisão que permitia a participação directa dos estudantes, unindo-os em torno de reivindicações e propostas justas.
Naturalmente que o poder reagiu de forma violenta. Para além da repressão policial directa, expulsou dezenas de estudantes das universidades, chamando outros, intempestivamente, para o serviço militar, muitos dos quais foram enviados para a Companhia Disciplinar de Penamacor. E, no entanto, nunca o governo conseguiu abafar a voz dos estudantes ou destruir as suas associações. De realçar que estas conseguiram criar estruturas de tal modo eficientes que as suas reuniões nunca foram detectadas pela PIDE, algumas foram feitas no telhado do Hospital de Santa Maria, nem a sua máquina de impressão e distribuição de comunicados foi alguma vez localizada. E dias houve em que se imprimiram e distribuiram quatro comunicados.
Estes e outros acontecimentos da Crise Estudantil de 1962, de que agora se comemoram os cinquenta anos, abalaram fortemente o regime de Salazar, destabilizaram a estrutura da sociedade portuguesa, despertaram muitas consciências para a realidade social e política do país e deixaram uma marca indelével em todos os estudantes e professores das tres universidades. As Associações de Estudantes viriam a revelar-se un extraordinário manancial da nova «inteligenzia».
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1 comments:
ese espiritu de loita fai falta agora, en estos momentos, obrigado a aquel espiritu de combate.-a25abril.org
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