Um belo texto de Viriato Soromenho Marques, hoje no DN. «Tenebroso», é certo, mas as imagens e as comparações fortes ajudam-nos a tomar consciência mais clara das realidades.
A terceira vaga
As catástrofes causadas pelos homens imitam, quase sempre, as de origem natural. O que transformou a tragédia de Lisboa, em 1 de novembro de 1755, num símbolo universal da fragilidade da condição humana reside no facto de todas as grandes crises serem complexas. Em 1755, Lisboa foi vítima de três vagas de calamidade. Primeiro o sismo, que destruiu os edifícios. Depois, o tsunami, que afogou milhares de lisboetas atordoados. Por fim, um incêndio bíblico que dizimou o que faltava. Todas essas vagas tiveram breves intervalos. E neles, muitos julgaram que o pior já havia passado. O mesmo ocorre hoje, a outra escala, com a crise económica global, em particular no seu epicentro europeu. Em 2008, na primeira vaga sísmica, os Estados salvaram o sistema financeiro de colapso sistémico com um aumento colossal de dívida pública, e políticas keynesianas contracíclicas. Depois, no final de 2009, os Estados, em aliança com o segmento bancário do sistema financeiro, para se salvarem do fardo das dívidas, começaram a cobrar à sociedade através de um tsunami de austeridade e aumento da carga fiscal. Agora, começámos a entrar na terceira vaga. Que se propaga na perda da coesão social, na afirmação de excepções, onde deveria reinar a universalidade. No primado de interesses particulares sobre o bem comum. Falências em cascata. Falta de confiança gerando secura de crédito. Aumento descontrolado dos indicadores de angústia social, no desemprego, na saúde, na entropia do próprio sistema imunitário do Estado, com o mal- -estar crescente nas forças de segurança. É a fase do incêndio, como em 1755. Na Grécia, já vai avançado. Em Portugal os sinais são claros. Mas, no coração da Europa, tardam em soar as sirenes de alarme.
(Os realces são meus)
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