Quem anda às voltas com os factos ligados ao 50º aniversário do Dia do Estudante, e passou a tarde de ontem em manifestações nas ruas de Lisboa, não pode deixar de associar cargas policiais, separadas por cinco décadas, mas que nem por isso se tornaram menos brutais e desproporcionadas.
Do Castanheira de Moura ao Chiado vão poucas dezenas de quilómetros e, pelos vistos, ligeiras diferenças de comportamento.
Não foi para aqui chegarem que muitos lutaram contra a ditadura e o que está a acontecer é absolutamente inadmissível em democracia.
E quem cala consente, agora como há cinquenta anos.
P.S. - Para os mais novos que, eventualmente, ignorem factos e referências ao passado, deixo um pequeno relato, tirado de uma entrevista feita a Fernando Rosas e José Medeiros Ferreira, em 1997.
«José Medeiros Ferreira - Repentinamente, não só há a proibição do Dia do Estudante pelo ministro Lopes de Almeida (…), mas a cidade universitária aparece ocupada pela polícia de choque [24 de Março de 1962].
Fernando Rosas – Facto sem precedentes na história do regime.
José Medeiros Ferreira – Facto sem precedentes, pelo menos para aquela geração de estudantes. (…) E eu lembro-me muito bem, que os dirigentes tinham uma relação de diálogo, como se diria hoje, com o professor Marcelo Caetano, foram a casa do professor Marcelo Caetano que era o reitor da Universidade Clássica (…) dizer o que estava a acontecer, que havia polícia de choque na universidade, na cidade universitária e ele ficou, genuinamente, aborrecido e até irado. Telefonou ao ministro do Interior, Santos Júnior, na nossa frente, pedindo-lhe para ele retirar a polícia de choque e quando desligou o telefone garantiu-nos que a polícia de choque iria retirar (…) Isto é na manhã do dia 24 de Março de 1962, exactamente. Mas quando lá chegamos a polícia de choque, de facto, estava a principiar a entrar nas carrinhas, mas não saíram da cidade universitária. (…)
José Medeiros Ferreira – (…) Portanto, convocamos os estudantes para a tarde no Estádio Universitário, um outro espaço novo que existia portanto também na cidade universitária. (…) Até por volta das seis horas, a polícia não saiu da cidade universitária. Aliás, cercou de certa maneira de novo o estádio universitário e o professor Marcelo Caetano, talvez pensando que assim resolvia a situação, terá convidado ou pelo menos dito que o melhor era os estudantes irem jantar ao restaurante Castanheira de Moura. (…) A cantina é fechada e (…) quando os estudantes se dirigem para o restaurante há uma carga de polícia muito forte (…).
Fernando Rosas – Os estudantes saem em manifestação.
José Medeiros Ferreira – E os estudantes saem em manifestação e são carregados no Campo Grande pela polícia de choque que criou, obviamente, um facto mobilizador muito grande. (…) Imediatamente, os dirigentes associativos promovem uma reunião das reuniões interassociações na Associação de Económicas.»
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9 comments:
A minoria de jovens que em 1962 eram universitários usufruíam de uma adrenalina e umas perspectivas em que "o céu era o limite".
A maioria de jovens que hoje é universitária "acaba de cair das nuvens" e não sabe quando chegará cá a baixo.
Caro Septuagenário,
Os jovens de hoje também têm adrenalina e gostariam que o céu fosse o limite. Não vejo grandes diferenças.
E as razões que têm para protestar não são menores (muito pelo contrário) das que tinham os da geração de 60.
O mais graves é que ainda há Escravos que acham correcto este comportamento por parte daquela MANADA de Escravos Fardados...
Os Escravos estão completamente desorientados, e é assim que as elites adoram que nós estejamos...
o Resumo da Greve Geral
A Ilusão da Democracia e a Escravidão do Trabalho têm que acabar... ou isto, ou somos nós que acabamos!
Outro septuagenário
Meus caros, polícia é polícia, é sempre a mesma em ditadura ou em democracia: são treinados para bater, para reprimir. Não há que ficar admirado. Só que, e a diferença não é pequena,agora podemos protestar,mostrar a nossa indignação, apresentar queixa e graças às nova tecnologias, podemos "avisar toda a gente", como diz João Apolinário
Artur Pinto
Sem dúvida, Artur, e esta é mesmo uma daquelas ocasiões que não podemos deixar passar: a democracia nunca está definitivamente conquistada!
Artur, não sei a sua idade.
Mas a polícia de 50 anos atraz não sei se o cacetete e as botas deles eram mais ou menos violentas daquelas de hoje.
Mas eu não falei da policia mas dos estudantes.
Os universitários e seus "desígnios".
Aqueles antigos, eram muito diferentes dos actuais.
Alem de os antigos serem uma "selecção" natural feita pelo Estado Novo, e disciplinados na Mocidade Portuguesa, de camisa verde e bivaque, e as poucas meninas universitárias saberem costura e bordados e desfilar de saia pelo joelho, os universitários actuais foram "amontoados" em universidades pré-fabricads e no amontoado tem dificuldade em se identificar.
Alguns até usam piercings para o efeito.
Mas espero que muitos venham a orientar um dia o país melhor que os tais avós bivaque e camisa verde.
Então vá lá uma história pequena para lembrar ao Medeiros Ferreira:
A pro-associação de estudantes de Letras tinha um presidente que no dia (62) em que descemos a Av 28 de Maior - HOJE Av. DAS FORÇAS ARMADAS - ao ver ao fundo da av, junto à feira Popular a polícia de choque pronta à nossa espera lá ao fundo, subiu a um morro que havia na berma mais abaixo da Faculdade de Farmácia (na época ali não havia mais nada construido) e fez um discurso convidando a malta de letras a arrepiar caminho e dispersar antes do recontro. Houve um sururu dos grandes e nós , os de letras, apeamos o «presidente» e nomeamos um novo : o Medeiros Ferreira! E seguimos com o Medeiros para a porrada!
Eu confio na juventude. Em qualquer juventude. Estou certa que darão conta do recado e que inovarão o suficiente para que isto do mundo continue a rolar.
As minhas reservas não são quanto à juventude mas quanto ao que fizemos e fazemos ao planeta. Aí é que as minhas dúvidas são grandes, se conseguiremos remediar a tempo, se a natureza nos dará tempo.
Mas isso é outra história.
Houve manif depois do Cstanheira de Moura?
Eu apanhei da polícia que estava escondida na vegetação do Campo Grande quando ia para o Castanheira de Moura com a Teresa Amado e outros.
Foi uma enorme confusão lá dentro com uns a fingirem que estavam a dançar e outros a sentarem-se à mesa «das famílias» desconhecidas. Saímos entre alas da policia de choque do Castanheira. Não me lembro de ir em manifestação, lembro-me de ir para casa, mas também tinha as costas e um ombro «mal tratados».
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