Na sua crónica de hoje no JN – Entre a peste e a cólera –, Manuel António Pina resume, mordazmente, as trapalhadas governamentais da semana passada sobre subsídios tirados e a repor não se sabe quando nem como, secretismo no cancelamento de reformas antecipadas e regresso sebastiânico (a expressão é minha) aos mercados. Também não poupa o PS e as suas «violências» em votos e tratados complementares.
E termina com a frase a que eu queria chegar: «E nós, portugueses? Nós, portugueses, não somos chamados ao assunto porque esses assuntos não nos dizem respeito.»
Não colhe o argumento do voto democrático numa maioria que governa como justificação para tudo o que está a passar-se, não nas nossas costas, mas bem dentro das nossas casas e das nossas algibeiras.
O caso da suspensão das reformas antecipadas, explicado ontem por Passos Coelho, em Maputo, com um largo sorriso inaceitável, é neste plano exemplar. Como vários comentadores, mesmo afectos ao PSD, já vieram observar, havia diversas maneiras de evitar a corrida aos centros da Segurança Social sem lesar o respeito pelos cidadãos e pelos parceiros sociais. Não foram utilizadas e isso é grave na medida em que acções paradigmáticas como esta «tornam o parlamentarismo e a democracia formal sem utilidade para as camadas afectadas (…) e transformam a política em democracia numa farsa», como bem observou Jorge Nascimento Rodrigues, em Nota hoje publicada no Facebook:
«A política das medidas de surpresa tem circunstâncias e casos em que é indispensável – face aos mercados financeiros e em circunstâncias de guerra, por exemplo. Fora isso, as medidas "secretas" lançadas de surpresa, particularmente em relação à população, têm, em democracia, um problema crítico: encurtam a margem de manobra de contenda e compromisso parlamentar, tornam o parlamentarismo e a democracia formal sem utilidade para as camadas afectadas por tais medidas e transformam a política em democracia numa farsa. Abrem espaço à política seguida por outros meios a partir do momento em que a "fadiga" atinge tais camadas. É uma questão de tempo. Se o Parlamento ou outras instituições de contrapeso da democracia não corrigirem a trajectória dos que acreditam na legitimidade de tal percurso, julgando poupar no farelo.»
P.S. - Ler: Corroer o pacto social (Medeiros Ferreira). .
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