5.5.12

Ocupar o comum


 Mais um importante texto de Sandra Monteiro, no número de Maio de Le Monde Diplomatique. (O realce é meu.)

Para os defensores do neoliberalismo, não faz mal acabar com serviços e actividades reconhecidamente eficientes, de qualidade e utilidade social, desde que estejam reunidas pelo menos uma destas condições: que seja um modo de transferir para a esfera do privado recursos que antes pertenciam ao público, promovendo oportunidades de negócio; que seja um modo de eliminar do campo das experiências dos cidadãos formas de fazer em comum que possam favorecer o seu apego a instituições públicas, a finalidades não-lucrativas, a lógicas cooperativas e participativas.

É nesta engenharia de reconfiguração da sociedade que se enquadram o anunciado encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, ou o despejo da Es.Col.A. da Fontinha, no Porto. Por muito que a violência demolidora da vida em sociedade a que estamos a assistir o possa sugerir, o que está em causa não é, para o projecto neoliberal, acabar com o Estado, mas antes desviá-lo das suas funções sociais e redimensioná-lo à medida da avidez de mercados instáveis e de interesses privados. Não está também em causa acabar com toda e qualquer iniciativa de cidadãos que se mobilizem autonomamente para intervir na sociedade, mas tão-somente a daqueles que o fazem, até em regime de voluntariado, associando a supressão das falhas dos poderes públicos a propostas transformadoras das comunidades que não sejam redutíveis aos valores do pensamento único, à forma económica da troca mercantil e do lucro, ao formato de gestão do «empreendedorismo social». 

O neoliberalismo nada tem contra haver Estado suficiente para parcerias público-privadas desastrosas para o erário público; para tráficos de influências e garantias de proveitosas carreiras; para salvamentos de bancos nacionais impostos por um sistema financeiro internacional que confisca a democracia; para sistemas educativos que formem elites ou para sistemas de saúde que se ocupem dos doentes que não são rentáveis para a medicina privada. O neoliberalismo nada tem contra haver na sociedade autonomia suficiente canalizada para o assistencialismo ou a caridade, desde que essa acção não questione intelectualmente, nem abale através de práticas, o imobilismo trágico das desigualdades socioeconómicas e a irracionalidade de um modelo económico iníquo.

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