8.10.12

«Perguntas que não fiz ao ministro das Finanças»



Este texto que Nicolau Santos publicou no Expresso de 5/10/2012 (sem link) merece ser lido e divulgado. 

«Senhor ministro das Finanças, agora que nas suas conferências de imprensa cada vez é mais limitado o número de perguntas que os jornalistas lhe podem colocar, utilizo este espaço para tentar obter algumas respostas. 

1) V. Exa. considera que pessoas superiormente inteligentes e bem preparadas tecnicamente como o senhor podem tomar decisões completamente estúpidas e irracionais? 

2) Se a resposta for negativa, como será seguramente o caso, V. Exa. considera que é possível corrigir em três anos os desequilíbrios acumulados pela economia portuguesa em década e meia? 

3) Se a resposta for negativa, como o bom senso parece indicar, que país e que modelo económico espera V. Exa. deixar no final desta legislatura? Um país destruído na sua coesão social, com uma classe média totalmente depauperada, um desemprego esmagador, jovens sem esperança e velhos sem amparo? E o modelo económico assentará em baixíssimos salários e mão de obra qualificada, que trabalhará para uma côdea de pão (ou seja, para salários de €500)? 

4) Considera V. Exa. que o regresso da República Portuguesa aos mercados internacionais deve ser conseguido a qualquer custo e constituir o ómega e o alfa da politica económica, independentemente dos seus custos económicos e sociais? 

5) V. Exa. acredita que é possível sustentar o crescimento do país em 18 mil empresas exportadoras? E o que espera que aconteça as outras cerca de 300 mil que existem e trabalham para o mercado interno? 

6) V. Exa. anunciou que a economia começaria a recuperar no segundo semestre deste ano e que em 2013 já teríamos um crescimento de 0,3%. Agora diz-nos que a recuperação será no segundo semestre de 2013 e que em 2014 já teremos um crescimento de 1,2%. V. Exa. falhou? E porque é que deveremos acreditar agora nesta sua nova previsão? 

7) Quais considera V. Exa. que são os efeitos para a economia de uma quebra acumulada de investimento de 29,6% entre 2011 e 2013? 

8) Quais considera V. Exa. que são os efeitos económicos e sociais para uma economia de mais de 1 milhão de desempregados? 

9) V. Exa. anunciou um enorme aumento de impostos, com a redução dos escalões de oito para cinco. No ultimo escalão vão estar famílias com rendimentos acima de €80 mil contra os atuais €153.300. V. Exa. considera ricos os que ganham mais de 80 mil euros por ano? 

10) Em três anos, V. Exa. vai tirar às famílias portuguesas mais de €1O mil milhões por via fiscal. Teremos de trabalhar entre seis a oito meses por ano para o Estado antes de começarmos a ganhar para nós. V. Exa. sente-se confortável ideologicamente com isto? 

11) V. Exa. tem consciência de que ao aplicar uma sobretaxa de 4% sobre os rendimentos de 2013 logo a partir de janeiro (e não apenas no final do ano) causa dificuldades dramáticas a milhares de pessoas? Sabe que a carga fiscal aumenta em mais de 34% para a generalidade dos contribuintes? 

12) V. Exa. anuncia cortes substanciais para 2014 nas prestações sociais, educação e segurança. Vai continuar a cortar nas prestações sociais? E na segurança? Não pensa que o banditismo e a violência vão aumentar? 

13) V. Exa. já descobriu que a realidade não cabe numa folha de Excel? Muito obrigado pelo seu silencio.» 

(Via Helena Araújo no Facebook)
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8 comments:

Anónimo disse...

Não percebo porque é que pessoas inteligentes partilham este tipo de coisas sem verificar a autenticidade ou sem pôr, pelo menos, uma ressalva nesse sentido. Mesmo que isto tenha sido escrito pelo Nicolau Santos (que duvido mas dou de barato), é muito fraquinho e qualquer jotinha dava a volta estas perguntas em três tempos deixando o jornalista KO. Apesar do trabalho dos jornalistas no confronto directo deixar muito a desejar, não acredito que este seja o mlhor trabalho que podem fazer. E se for, ainda bem que o ministro não deixa que lhes façam estas perguntas.

Joana Lopes disse...

O seu comentário é absolutamente extraordinário! Duvida que isto tenha sido escrito por NS, quando eu referi jornal e data? Acrescento então: Caderno de Economia, p.5 - à venda num quiosque perto de si.
E se acha as perguntas tão fraquinhos, desafio-o a responder-lhes aqui mesmo, nesta caixa de comentários.

Anónimo disse...

Tem razão e desde já apresento as minhas desculpas relativamente ao comentário da autoria do texto. Quando se vêm textos destes, não se consegue encontrar rasto nenhum e a última referência diz via “facebook” em 99% dos casos é falso. Mas desta vez falhou. Razão pela qual também me sinto na obrigação de responder ao desafio:

1) V. Exa. considera que pessoas superiormente inteligentes e bem preparadas tecnicamente como o senhor podem tomar decisões completamente estúpidas e irracionais?
Essa é uma pergunta bastante genérica a que tenho alguma dificuldade em responder. Se a pergunta é se uma pessoa inteligente pode em algum momento da sua vida tomar decisões estúpidas e irracionais diria que sim. Se a pergunta infere que as decisões, reflectidas, discutidas e ponderadas que foram tomadas nos últimos tempos pelo governo são irracionais e estúpidas, então discordo plenamente. Uma pessoa inteligente e bem preparada que toma decisões a este nível não o faz de forma estúpida e irracional. Pode tomar decisões erradas, admito, embora não considere que seja o caso, mas estúpidas e irracionais, não.

2) Se a resposta for negativa, como será seguramente o caso, V. Exa. considera que é possível corrigir em três anos os desequilíbrios acumulados pela economia portuguesa em década e meia?

É preciso notar que os desequilíbrios da economia resultam duma conjugação de factores que passam por muitos erros políticos nos últimos anos e de circunstâncias globais que nos afectam com maior importância no presente. Nesse sentido considero que é possível alterar os desequilíbrios em três anos e que o caminho tomado é o único que permite esse desígnio uma vez que trabalhamos em conjunto com as instituições internacionais mais bem reputadas. Se conseguirmos uma boa cooperação com estas instituições, como é facilmente verificável pelas avaliações sucessivas a que temos vindo a ser sujeitos, então estamos no caminho para recolocar Portugal no mercado da dívida e assim poder ultrapassar esta crise que nos afecta. Não escondo no entanto, que o horizonte temporal dependerá também da conjectura internacional e quanto a isso apenas fazemos o que de melhor pode haver para o nosso país que é manter a reputação bem elevada.

3) Se a resposta for negativa, como o bom senso parece indicar, que país e que modelo económico espera V. Exa. deixar no final desta legislatura? Um país destruído na sua coesão social, com uma classe média totalmente depauperada, um desemprego esmagador, jovens sem esperança e velhos sem amparo? E o modelo económico assentará em baixíssimos salários e mão de obra qualificada, que trabalhará para uma côdea de pão (ou seja, para salários de €500)?

Não me parece que a minha resposta anterior tenha sido negativa. Ainda assim responderei à sua questão. O que se pretende é introduzir modificações fundamentais no nosso tecido económico que permitam comportamento dual: por um lado cumprir as obrigações impostas pelos nossos credores não hipotecando assim o futuro do país, e por outro fazer uma transição para uma economia mais baseada no mercado que permita ter um comportamento mais ágil quando for premente a recuperação económica que não duvidamos que venha a acontecer se continuarmos neste caminho. É verdade que passamos uma fase de sacrifícios severos e que isso tem impacto na sociedade e que muitas das coisas que descreveu até possam acontecer ainda que não na escala que impõe. É preciso notar que o governo tem tido uma grande preocupação em proteger as camadas da população mais pobre, poupando-a aos sacrifícios impostos à generalidade dos portugueses, e que a progressividade tem sido um princípio que norteia a nossa acção. Assim que a reforma do tecido económico estiver regularizada e que o mercado ele próprio seja mais ágil, os desemprego diminui, assimetria salarial também e a flexibilidade que permite tornar o mercado de emprego competitivo impulsionará os salários.

Anónimo disse...

4) Considera V. Exa. que o regresso da República Portuguesa aos mercados internacionais deve ser conseguido a qualquer custo e constituir o ómega e o alfa da politica económica, independentemente dos seus custos económicos e sociais?

O compromisso assumido por Portugal com a Troika tem que ser cumprido e acreditamos que esse é o único caminho para o acesso aos mercados internacionais. Acha mesmo que se renunciarmos à Troika e aos mercados internacionais, entrando assim em falência, estaremos em condições de assegurar uma recuperação económica e apoio social? os portugueses têm de compreender que esta alternativa é sinónimo de aumento de desemprego, impossibilidade de garantir prestações sociais e até de garantir o pagamento dos salários. Isso seria seria uma situação catastrófica do ponto de vista económico e social.

5) V. Exa. acredita que é possível sustentar o crescimento do país em 18 mil empresas exportadoras? E o que espera que aconteça as outras cerca de 300 mil que existem e trabalham para o mercado interno?

O crescimento do pais não se sustenta nas exportações obviamente. Mas é matéria de qualquer manual do ensino básico que é necessário algum equilíbrio na balança comercial para poder ter perspectivas de crescimento e sustentação económica. Assim, é fácil de perceber que não sendo o único ponto, o crescimento das exportações é fundamental. Os efeitos de recessão no mercado interno são inevitáveis numa situação tão grave como a nossa e isso sempre esteve previsto. Mas não é possível introduzir as reformas necessárias e as que foram acordadas com a Troika sem sacrifícios e alguns impactos negativos durante o tempo de vigência do programa de assistência financeira. É isto que permitirá mais tarde voltarmos aos mercados internacionais e termos um tecido económico mais forte e capaz de fazer face às novas dificuldades.

6) V. Exa. anunciou que a economia começaria a recuperar no segundo semestre deste ano e que em 2013 já teríamos um crescimento de 0,3%. Agora diz-nos que a recuperação será no segundo semestre de 2013 e que em 2014 já teremos um crescimento de 1,2%. V. Exa. falhou? E porque é que deveremos acreditar agora nesta sua nova previsão?

De facto houve algumas previsões que se desviaram um pouco da previsto inicialmente. As projecções nunca são 100% certas, Mas em substância e globalmente o resultado é igual se bem que ligeiramente dilatado no tempo. E isto só é possível porque as medidas tomadas, o agravar da crise internacional mas também o alivio dos juros, também nos permitiram dilatar as metas e objectivos no âmbito do acordo com a Troika.

7) Quais considera V. Exa. que são os efeitos para a economia de uma quebra acumulada de investimento de 29,6% entre 2011 e 2013?

É verdade que existe uma quebra acentuada do investimento mas também é verdade que o investimento directo foi efectuado, nos últimos anos, com base em premissas erradas e em utopias de crédito fácil. Forma investidos largos milhões de euros em obras faraónicas que pouco retorno produziram. Cometeram-se muitos erros e a grande maioria dos investimentos foram revistos e ponderados. Foi aliás essa uma das grandes causas do nosso problema de endividamento e assim parece-me lógico estancar o problema.

Anónimo disse...

8) Quais considera V. Exa. que são os efeitos económicos e sociais para uma economia de mais de 1 milhão de desempregados?

Os efeitos económicos estão bem estudados e sugerem que a contracção no emprego poderá introduzir alguma racionalidade no mercado de trabalho proporcionando assim uma recuperação deste indicador. Os efeitos sociais são algo que nos preocupa bastante e estamos, por isso mesmo, a envidar todos os esforços para que essa recuperação aconteça o mais depressa possível. Isso só será possível quando o mercado de trabalhar tiver mais flexibilidade e a nossa economia começar a gerar emprego. Até lá, como já referi, existem mecanismos de apoio para as pessoas que estão a passar mais dificuldades e nunca nos esqueceremos deste desígnio de combater o desemprego e o flagelo social que este arrasta.


9) V. Exa. anunciou um enorme aumento de impostos, com a redução dos escalões de oito para cinco. No ultimo escalão vão estar famílias com rendimentos acima de €80 mil contra os actuais €153.300. V. Exa. considera ricos os que ganham mais de 80 mil euros por ano?

Bom repare, se estivermos a falar de uma família de 15 pessoas com certeza que não. Se for um indivíduo ou um casal não tenho dúvidas que sim, podem considerar-se uma classe abastada. Mas é por isso mesmo que estes factores são tidos em conta no cálculo do IRS e não vão deixar de ser porque se mudaram os escalões. De qualquer das maneiras considero essa pergunta insultuosa para todos aqueles que passam dificuldades e que sobrevivem com o salário mínimo.

10) Em três anos, V. Exa. vai tirar às famílias portuguesas mais de €1O mil milhões por via fiscal. Teremos de trabalhar entre seis a oito meses por ano para o Estado antes de começarmos a ganhar para nós. V. Exa. sente-se confortável ideologicamente com isto?

Conhecendo o meu percurso académico, claro que não considero essa situação ideal. No entanto, é absolutamente fundamental que existam sacrifícios nesta fase no nosso país. E só assim podermos começa a caminhar para uma situação melhor. Atente-se, por exemplo, na sobretaxa de 4% do IRS. o nome não é inocente. é uma sobretaxa. Não é suposto continuar ad eternum. o mesmo para os cortes salariais e subsídios. Não cabe na cabeça de ninguém que estas medidas excepcionais se mantenham, quando começarem a existir sinais de retoma, e até quando o nosso país for pujante em termos económicos.

11) V. Exa. tem consciência de que ao aplicar uma sobretaxa de 4% sobre os rendimentos de 2013 logo a partir de Janeiro (e não apenas no final do ano) causa dificuldades dramáticas a milhares de pessoas? Sabe que a carga fiscal aumenta em mais de 34% para a generalidade dos contribuintes?

Relativamente à sua primeira pergunta, com certeza que estamos conscientes das dificuldades que esta situação possa criar. Já fui muito claro sobre isso, eu e o governo, e não pretendo repisar o que já foi dito. É preciso no entanto não esquecer que a equidade e a progressividade são dois princípios perfeitamente em sintonia com estas medidas e que portanto esses efeitos serão minimizados na medida do possível. Quanto à segunda questão, já admitimos que o aumento será muito impactante, mas não percebo como pode referir esse número quando não sabe detalhes sobre as medidas, não sabe as regras da progressividade e não sabe os mecanismos de apoio e reembolso que serão dados nos casos mais problemáticos. Não é sério da sua parte.

Anónimo disse...

12) V. Exa. anuncia cortes substanciais para 2014 nas prestações sociais, educação e segurança. Vai continuar a cortar nas prestações sociais? E na segurança? Não pensa que o banditismo e a violência vão aumentar?

A questão das prestações sociais é relevante e é preciso ter em conta que a situação económica, o aumento do desemprego e os problemas patentes ao nível do mercado interno implicam muito mais obrigações por parte do estado. Não existindo condições para fazer esses pagamentos é necessário procurar alternativas e promover alterações para que as prestações possam chegar a quem mais precisa. E é essa a nossa preocupação. Quanto à segurança não me aprece que tenham existido graves problemas, os relatórios de segurança e criminalidade não indicam agravamento significativo da situação e as alterações de ordem social que derivam de alguns protestos que temos assistido não são significativos. O direito ao protesto é algo de fundamental e os portugueses têm sabido fazê-lo da melhor forma sem pôr em causa a segurança.

13) V. Exa. já descobriu que a realidade não cabe numa folha de Excel? Muito obrigado pelo seu silencio.

Meu caro, os modelos macroeconómicos que utilizamos para projectar o impacto das medidas são modelos matemáticos complexos que tendem a aproximar-se da realidade e foram apurados por anos de pesquisa e avaliação do comportamento das economias do mundo inteiro. Não lhe admito que compare o nosso trabalho a contas feitas num rascunho em cima do joelho.

Joana Lopes disse...

Agora, sou eu que lhe tiro o chapéu, E tenho pena que não assine os seus comentários porque, ou já está num gabinete do governo, ou devia rapidamente candidatar-se.
Estou a falar a sério: este governo já não tem muita gente a defendê-lo tão bem! Mais: o PM responderia / tem respondido muito pior a questões semelhantes.

Anónimo disse...

O problema é que eles próprios já não acreditam em nada disto, daí que já não consigam ser fiéis às suas ideias.

E não estou em nenhum gabinete do governo. Muito longe disso (seja deste ou de outro governo). Mas oiço com atenção o argumentário. É a melhor forma de o conhecer e derrotar,

Devo confessar que este exercício foi divertido. É provavelmente mais fácil do que se estivesse a defender as ideias em que acredito. Mas continuo a dizer que o Nicolau Santos me facilitou a tarefa.