« O debate orçamental em Bruxelas está inquinado pela sua própria engenharia perversa que coloca em rota de colisão os países contribuintes líquidos e os países beneficiários. É uma dicotomia que acentua a crise. Não são só os portugueses que precisariam de um orçamento comunitário maior. Os alemães e os finlandeses também seriam beneficiados, na medida em que esse orçamento poderia suportar políticas contra cíclicas, que atenuariam a recessão em que a Europa vai mergulhar em 2013, prejudicando também as exportações desses países. (...)
Não concordo que seja o egoísmo a caracterizar a estratégia do directório. Infelizmente, a questão não é ética, é, sim, cognitiva. Se fosse um problema de mal moral (egoísmo), não seria grave, pois, como recorda o grande Kant, até os diabos são capazes de compreender o valor da solidariedade quando está em causa salvar a pele. O problema europeu é pior. Somos governados por uma estupidez indomável. Incapaz de aprender com os próprios erros.»
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«Uns e outros procuram escamotear a evidência maior dos nossos dias, que é a do fim do ciclo ultraliberal iniciado entre finais dos anos 70 e começos dos anos 80 do século passado, com as respostas que Margaret Thatcher e Ronald Reagan deram às primeiras dificuldades que, com a crise do petróleo e as suas consequências, abalaram o horizonte de crescimento que enquadrava a economia ocidental desde os anos cinquenta.
Com características, variantes e ritmos muito diversos, a solução ultraliberal impôs-se por todo o lado, com o seu cortejo de desregulamentações, privatizações, flexibilizações e... endividamentos. E a Europa, ao contrário das piedosas ilusões tantas vezes proclamadas, deixou-se levar por esta miragem e por muitas das suas ideias, quando não foi ela própria um instrumento activo da sua adopção e da sua generalização. Convém, hoje, ter a lucidez de o reconhecer.
Quatro décadas passadas, a evidência que agora toma uma forma inequívoca é, contudo, a de que não há solução ultraliberal para a crise que enfrentamos, nacional e internacionalmente. Mas outra evidência emerge ao lado desta: a de que, apesar de esgotado, o modelo resiste tal como - na expressão de Pessoa - "um cadáver adiado que procria". O que caracteriza um fim de ciclo é sempre a indecisão, com os seus múltiplos e imprevisíveis efeitos, que bloqueiam tudo o mais. E é nisto que estamos, por todo o lado - daí, o grande impasse, bem como o dominó de pequenos impasses, em que vivemos.»
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