Em artigo de opinião, publicado no DN de hoje, Manuel Maria Carrilho aborda uma questão que está sem dúvida na ordem da dia, pelas melhores (ou pelas piores...) razões: são os resultados eleitorais uma garantia suficiente e soberana para que um governo mantenha a sua legitimidade? A resposta de Carrilho é negativa, suficientemente ponderada para que valha a pena lê-la na íntegra, mas ficam aqui alguns excertos.
«Quem invoca os resultados eleitorais e a maioria parlamentar refere dados de peso, que são efetivamente incontornáveis. Acontece, contudo, que a evolução da democracia nas últimas décadas mostra também que eles são cada vez mais frágeis e insuficientes, que há cada vez mais outros elementos de peso a ter em conta na definição da legitimidade política.
É que, ganhas as eleições, há nas democracias contemporâneas de hoje dois outros parâmetros que acompanham - reforçando-a ou diminuindo-a - a legitimidade de um governo. Esses parâmetros são os da avaliação, por um lado, da sua anunciada capacidade para resolver os problemas do País e, por outro lado, da sua fidelidade face às promessas e aos compromissos que assumiu com os cidadãos.»
É à luz de um conceito de «contrademocracia», «um conjunto de contrapesos interno à própria democracia, que tem como objectivo contrariar a sua desvitalização, (...) que se devem compreender fenómenos como o reforço de todos os tipos de escrutínio público, a diversificação de movimentos populares e sociais ou, ainda, a institucionalização dos tribunais constitucionais. Eles consagram, ao lado do tradicional povo-eleitor, novas figuras da vontade popular: o povo-vigilante, o povo-veto, o povo-juiz. (...)
Isso não significa que se conteste a legitimidade eleitoral, ou o seu carácter imprescindível na vida democrática. Significa é a sua insuficiência para contrariar o sentimento coletivo de esvaziamento da democracia. E revela que vivemos hoje no que se tem designado como o "descentramento" das democracias, isto é, a crescente desvalorização do voto no conjunto dos comportamentos e dos valores que caracterizam a vida democrática.»
É neste debate sobre legitimidade política global que o Governo «tem falhado, tanto na capacidade revelada para resolver os problemas, como na fidelidade aos seus compromissos, dimensões a que os cidadãos dão hoje tanta importância como ao voto. É aqui que se encontra, neste momento, a razão da legitimidade perdida do Governo de Pedro Passos Coelho.»
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3 comments:
Com esta ordem de ideias podemos chegar a conclusões muito semelhantes às de Salazar, sobre a democracia.
Parece-me que Santa Comba é do distrito de Viseu.
Será que o pessoal lá para xima pensa mesmo axim?
Nada a ver, caro Rural. Para Salazar, não havia democracia, aqui fala-se de reforço da mesma.
O mirabolante prof. MM. Carrilho rendeu-se ao reformismo,aos farmácos sociais-democratas mais opostos e paradoxais.Isto mesmo o garante, declara e reitera num dos textos politicos de um dos volumes que subscreveu sobre " O Pensar o Mundo ", as suas Obras Completas em papel biblia... De maneira que, como ele o revelou ao falar de Gilles Deleuze, agora há que declinar todos os dias e em todas as tribunas, os conceitos de afrontamento da lógica de classe; e, sobretudo, tentar travar, custe o que custar, dando saltos e atolando-se em aporias e processos de um ecletismo vertiginoso, a verdadeira autonomia e democracia politicas, que reivindicam a igualdade económica à partida, sem o que não passam de jogos de ludibrio e de vassalagem neo-liberal fatais. Salut! Niet
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