De uma entrevista a Boaventura Sousa Santos no Económico de hoje.
Prevê alguma tragédia social, como aconteceu na Grécia, e o extremar da contestação social?
Estive na semana passada na Grécia e não me parece que a tragédia já tenha concluído o seu curso. É uma tragédia em curso, mais profunda que a nossa apenas porque começou um ano antes. Nada está a ser feito em Portugal para que o agravamento que se dá na Grécia não ocorra entre nós. No entanto, a tragédia grega (sem a grandeza das tragédias da antiguidade clássica) tem características políticas distintas da nossa. Por um lado, tem uma extrema-direita politicamente organizada e bem infiltrada nas forças de segurança. Por outro lado, o extremar da contestação social talvez seja mais facilmente enquadrável pelas forças políticas organizadas dada a elevada força eleitoral pelo partido à esquerda do partido socialista, a coligação Syriza. (...)
Acha que o objectivo do Governo, do que tem vindo a ser noticiado, é, de facto, reformar o Estado ou cortar quatro mil milhões de euros?
Não se trata de reformar o Estado social e sim de o destruir. A direita radical que está no poder não fez parte dos pactos que construíram o país depois do 25 de Abril e nunca aceitou que a dignidade de viver sem depender da caridade e da filantropia fosse um objectivo para a esmagadora maioria da população. Incapaz de contrariar a vontade dos portugueses por via eleitoral, aproveitou com todo o zelo a oportunidade que a troika lhe deu. Rompeu assim com a parte da direita portuguesa que viu na criação do Estado social a melhor garantia contra a instabilidade crónica da democracia portuguesa e o atraso a que nos condenou Salazar. Esta direita está hoje quase tão indignada quanto os indignados na rua. Somos o único país da Europa com uma direita indignada. (...)
Teme que Portugal se esteja a transformar num país sem perspectivas de futuro para os seus atidos e que esteja a hipotecar o seu futuro?
Se este governo continuar no poder e continuar a revelar a mesma cegueira ideológica, o país estará a destruir em poucos anos o que levou décadas a construir, sobretudo no domínio da formação técnica e do sistema nacional de ciência onde se fizeram progressos notáveis nos últimos vinte anos. Os centros de ciência mais dinâmicos do país, os Laboratórios Associados estão a ser vítimas de uma política de suspeição que desarticula as equipas de investigação e leva para a emigração alguns dos melhores. Um exemplo doloroso. Os dois jovens que acabam de ser galardoados com prestigiado prémio da Fundação Gulbenkian para a internacionalização das ciências sociais realizaram os trabalhos em dois Laboratórios Associados (Centro de Estudos Sociais e Instituto de Ciências Sociais) mas ambos já tiveram de ir para o estrangeiro por falta de perspectiva de trabalho entre nós.
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