29.5.13

Mentiras perigosas



«Antes das eleições alemãs de Setembro conviria que falsidades sobre a crise financeira da Europa, tomadas por verdades pelos alemães, fossem desmentidas. Com votos à porta, não é de esperar que tal desmentido venha dos políticos que as espalharam (a começar por Angela Merkel e incluindo alguns dos seus opositores sociais-democratas). Mas é preciso que os eleitores sejam esclarecidos, sob pena do fosso entre o Norte e o Sul da Europa (e o fosso entre os alemães e quase todos os outros) se cavar ainda mais, do projecto político chamado União Europeia ser abandonado e, mais tarde ou mais cedo, da guerra tornar a ser um dos métodos usados pelos países europeus para resolverem problemas entre si.

A maioria dos alemães está convencida de que os países do Sul vão mal porque foram imprevidentes (como a cigarra da fábula de La Fontaine) e que eles, contribuintes alemães (a formiga da fábula) não estão mais dispostos a continuarem a sustentar vícios alheios. Acredita-se que há na Europa países permanentemente devedores (ao Sul) e países permanentemente credores (ao Norte). Por tudo isto, quer-se que a correcção técnica das falhas de governação financeira que contribuíram para a crise actual, sirva de castigo à alegada imoralidade da gente do Sul. (...)

E o carácter punitivo da correcção é cegueira política. Causa muito sofrimento desnecessário e enraivece europeus uns contra os outros numa altura em que ou nos aguentamos todos juntos ou vamos pró maneta cada um para seu lado. Em Bona percebiam estas coisas. Em Berlim não sei. Era preciso que alguém ajudasse os alemães a aprenderem a lidar com o seu destino.» 

 José Cutileiro

 (O link pode só funcionar mais tarde e os realces são meus.)
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4 comments:

Helena Araújo disse...

"A maioria dos alemães está convencida de que os países do Sul vão mal porque foram imprevidentes (como a cigarra da fábula de La Fontaine) e que eles, contribuintes alemães (a formiga da fábula) não estão mais dispostos a continuarem a sustentar vícios alheios."

Onde é que ele foi buscar esta ideia de que a maioria dos alemães olha para a crise desta forma simplista e com esse vocabulário moralista (castigo?! vício?! correcção punitiva?! imoralidade?!)?
Nem no Bildzeitung encontrei teorias desse tipo (mas encontrei várias referências ao ataque cerrado que os mercados estão a fazer aos países mais frágeis da união monetária).
Uma pequena googleada com a frase "viveram acima das suas possibilidades" (haben über ihre verhältnisse gelebt) dá uma boa ideia do nível do debate público na Alemanha. Para quem entende alemão, claro.
Parece-me aliás que é esse o problema: as pessoas fantasiam sobre o que se passa na Alemanha, e andam aí a fazer discursos contra moinhos de vento pensando, que são inimigos.

Joana Lopes disse...

Helena,
Eu sei perfeitamente que pensa isso, mas a primeira ideia que me veio ao ler o seu comentário foi a velha história: «à mulher de César não basta ser séria, tem também de o parecer». Porque o facto é que aquilo que o JC (longe de ser um ignorante ou um perigoso demolidor) diz é a voz corrente não só em Portugal, mas na Grécia, em Espanha, etc., etc. Talvez os alemães precisem de cuidar mais da imagem que têm nestes países.

Helena Araújo disse...

Ai! Eu a pensar que ia contar uma novidade... ;-)

Parece-me que isso é uma espécie de inversão do ónus da prova.
Do mesmo modo que na Alemanha são os meios de comunicação social e os políticos alemães (e às vezes os próprios presidentes dos bancos - há tempos apanhei um, numa entrevista, a dizer que a Alemanha e o seu sistema bancário tiveram responsabilidades no processo que deu origem a esta crise) que têm preocupações de informar com seriedade e de não criar esse fosso entre "alguns do Norte" e "alguns do Sul", em Portugal, na Grécia, na Espanha, etc., seria importante fazer um esforço de parar de fantasiar sobre a Alemanha e os alemães, e informar sobre a realidade.

Não vejo mesmo motivos para serem os alemães a fazer um trabalho que compete aos meios de comunicação social, aos pensadores e aos políticos de cada país.

Joana Lopes disse...

Há quem informe no sentido em que diz, Helena, mas com relativamente pouca convicção.