Não é só na cantiga que o povo mais ordena, mesmo quando ela é gritada em tempos de raiva e de resistência. No sistema em que vivemos (e, por enquanto, não parece vir outro a caminho), ordena também quando vota, mal ou bem, e resta-lhe assumir a responsabilidade do que faz.
Pensei nisto ao ler hoje dois parágrafos no Jornal de Negócios:
«Em democracia o povo não tem desculpa. O governo é determinado pela vontade popular. Quem escolhe mal tem de assumir as suas responsabilidades e aguentar até à próxima oportunidade. E isto vale tanto para o poder executivo, quanto para as autarquias ou a Presidência da República. A maioria que votou Cavaco não pode agora queixar-se de que ele é tendencioso e até perverso. Sempre o foi. Esse ao menos nunca enganou ninguém.
Existe assim uma espécie de infantilismo popular que leva as pessoas a sistematicamente elegerem aqueles de que logo a seguir se queixam. Fazem a asneira e depois põem-se a chorar. Falta maturidade democrática, ponderação, convicções. O povo não é ludibriado por ninguém a não ser por si próprio, escolhendo de forma irrefletida, ao sabor do momento.»
E se a legitimidade democrática não se torna indiscutível só por ter sido atribuída em eleições, é também verdade que o voto funciona como veto para que a dita legitimidade não seja atribuída a outrem sem intervenções especiais. Podemos e talvez devamos pedi-las e uma delas concretiza-se no velho grito: «eleições já».
Mas não tenhamos grandes ilusões porque já se sabe que ninguém muda de povo. E mudar o povo é uma tarefa muito mais complicada do que fazer exame do 4º ano.
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1 comments:
Não se confunda "povo" com "eleitores dos partidos que governam". Nem todo o povo, nem a maioria dos que o compõem votou nesta gente.
E aguentar até à próxima oportunidade, alto lá! Hitler subiu ao poder pela via democrática, e o que fez ele à democracia? Deveria ter sido logo derrubado!
Mas a legitimidade não assenta apenas nas eleições. Deixemo-nos de falácias.
Imagine-se que os vencedores decidiam, logo após terem sido eleitos democraticamente, destruir a democracia ou fazer exactamente o oposto do que tinham previamente anunciado. Era aguentar até à próxima oportunidade? Se assim é, então que se crie a próxima oportunidade o mais depressa possível.
No que me toca, nem Passos nem Cavaco me desiludiram, porque nunca me iludiram. Agora que existem muitos desiludidos por aí lá isso existem.
Concordo com Joana Lopes e com o velho grito: "Eleições já."
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