Baptista Bastos, hoje, no Negócios (*):
«A minha geração raramente traiu o testamento. "Entre os portugueses / traidores houve às vezes", falou Camões. Mas a generalidade (tomando as generalizações com todas as precauções devidas) manteve-se-lhe leal. Digo "leal" e não "fiel" porque fidelidade é coisa de cão, e lealdade tem a ver com carácter. A fidelidade pode conduzir ao apoio das maiores perversões e das mais torpes ignomínias. A lealdade, pelo contrário, tem a ver com convicções de natureza ética, e não pactua com a infâmia ou se torna conivente com a perfídia. (...)
Reconheço que os nossos impulsos ideológicos e intelectuais conduziram, acaso, a injustiças e a arrogâncias tão desnecessárias quanto cruéis. Mas a grandeza do que íamos aprendendo talvez explicasse o propósito. E este consistia no seguinte: amigo não trai amigo; não se denuncia nunca; a amizade é um posto.
Estes padrões de comportamento podem, nos sombrios tempos de agora, suscitar algum desdém e zombaria, mas eram exigências da razão antifascista. E o antifascismo, não esqueçamos e não admitamos que o deformem, foi uma admirável frente moral, que congregou comunistas e socialistas, monárquicos e católicos, democratas e simples cidadãos, movidos pelo singelo desejo de ser livres e felizes. (...)
Alguma coisa se perdeu, nesta caminhada desventurada para o pior dos abismos: o que resta do que fomos. E que resta é tão escassa e selectiva como a memória delida de uma antiga juventude.»
(*) O link pode só funcionar mais tarde.
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