6.8.13

Utopias e irrealismos



Nuno Ramos de Almeida escreve hoje um excelente texto no jornal «i», do qual extraio estes parágrafos: 

«Depois de mais de 30 anos de "realismo", temos Paulo Portas no governo, tivemos Miguel Relvas no executivo e fomos realisticamente comandados pelos políticos do centrão. Podemos dizer que, em resumo, uma quantidade de gente fez excelentes negócios, mas os portugueses só ficaram a perder: temos o país mais desigual e dos mais atrasados da União Europeia, com os gestores das grandes empresas mais bem pagos da dita cuja. (...)

No outro prato da balança temos a utopia e o irrealismo. Foram gerações de pessoas que eram pouco realistas que combateram durante 48 anos pela liberdade em Portugal. Seria para eles muito mais cómodo calar e comer. Mas assumiram decisões perigosas, foram irrealistas e ajudaram a conquistar a liberdade que hoje temos. No meio da noite da ditadura a liberdade não passava de uma utopia.

Dizem-nos os mercadores do templo em geral e os "realistas" portugueses em particular que tudo isso é metade da questão: a história está cheia de utopias sangrentas. Verdade. Mas foi dessa massa que nasceu tudo aquilo que de transcendentemente humano conquistámos. Sem excessos, paixões e entrega seríamos escravos. Foi de uma história generosa e por vezes sangrenta que se fizeram as revoluções, como a Francesa, que nos permitiram sonhar em liberdade, querer mais igualdade e fraternidade.»

O que Nuno Ramos de Almeida não explicita, mas eu acrescento, é que o «irrealismo» e a a «utopia» de que fala, os tais que fazem avançar a História, coexistem, mas resistem, à aparente força das percentagens, quase norte-coreanas, dos que afirmam preferir o statu quo, com ou sem alguma pequena cosmética. Sempre foi assim. Identificar essas maiorias com «a força do povo» não passa de uma mistificação, até porque elas não têm uma identidade própria e são volúveis por natureza: as mesmas pessoas que aplaudiram Marcelo Caetano no estádio do Sporting poucos dias antes do 25 de Abril deram mais do que sinceros vivas à liberdade no Largo do Carmo. Nunca foram as maiorias que tomaram a dianteira das grandes iniciativas, tal como nunca foram consensos nivelados pelo mal menor que venceram as grandes crises. E não será com eles que sairemos desta. 
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