Ana Sá Lopes, hoje no «i», certeira como quase sempre: o governo já nem debate a Constituição, mas a interpretação que os juízes fazem da mesma. Até que um referendo dela nos liberte?
«Depois de ter tomado um banho de água fria (por não ter pago a água) com a declaração de inconstitucionalidade da lei dos despedimentos da função pública, o governo desatou a querer debater - não a Constituição, segundo o próprio Passos jurou, o que é estranho para quem chegou a apresentar um anteprojecto de revisão - mas a interpretação dos juízes. O ministro Poiares Maduro afirmou ontem, mais uma vez, que é importante agora, mais do que questionar o texto constitucional, "actualizar a interpretação da Constituição, adequá-la aos tempos modernos, às circunstâncias concretas em que o país vive".
Portugal tem um precedente deste tipo de debate: a relação dos tribunais com o aborto até à sua despenalização. A lei em vigor punia com pena de prisão as mulheres que interrompiam a gravidez mas, na generalidade, os juízes "actualizavam" a "interpretação" da lei inscrita no código penal, "adequavam-na aos tempos modernos" e às "circunstâncias concretas" da vida daquelas mulheres e do sentimento do país em geral. Em resumo: marimbavam-se na lei e praticamente não havia condenações pelo crime de aborto. (...)
O que o governo quer agora é que os juízes da rua do Século lidem com a Constituição como os juízes dos tribunais comuns com o aborto: "Os despedimentos sumários no Estado são proibidos/mas podem-se fazer/só que são proibidos/ e o que acontece a quem os faz?/nada/mas são proibidos". A seguir virá o referendo para nos libertar de uma Constituição que é letra morta.»
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