(Jorge Jardim com uma das filhas)
Um texto de Jorge Pires da Conceição, escrito para
este blogue, sobre acontecimentos muito pouco divulgados ou já esquecidos:
Foi há 40 que
ocorreram na Beira, Moçambique (e também na então Vila Pery, hoje Chimoio),
manifestações da população civil branca contra as Forças Armadas portuguesas,
acusando-as de inépcia e incapacidade de estancar o avanço da guerrilha.
As
manifestações na Beira de 17, 18 e 19 de Janeiro, dando continuidade às já
havidas em Vila Pery nos dias 15 e 16, chegaram a atingir um grau de violência
bastante elevado, incluindo agressões físicas de oficiais do Exército e pelo
menos o apedrejamento da messe de oficiais do Exército, no Macúti, com a
destruição de vidraças e de janelas.
Tais
movimentações foram despoletadas em consequência duma acção da Frelimo na
província de Manica, perto de Vila Pery, de que resultou a morte da mulher dum
fazendeiro branco.
Estas
manifestações marcaram o início de um período de tensão politico-militar de,
pelo menos, duas semanas e, de certo modo, vieram a relacionar-se com a
Revolução do 25 de Abril, na medida em que levaram os oficiais do Quadro
Permanente operando em Moçambique a tomar posições e a manifestar-se em grupo.
Adiante
apresento uma cronologia destes acontecimentos e das suas consequências
imediatas (com base nas páginas na “net” «Guerra Colonial 1961-1974» e «Abril
de Novo – Memórias do PREC»), mas antes farei uma breve introdução, tentando
enquadrar o que se passou.
A
Frelimo, que iniciara as suas actividades nos distritos do Norte – Cabo Delgado
e Niassa – progredindo depois também para Tete (sem, no entanto passar pelo distrito
da Zambézia), só em 1973 começou a fazer pequenas aparições no norte dos
distritos de Manica e Sofala, sendo a acção de Vila Pery, já em 1974, a mais
próxima do corredor Beira-Rodésia do Sul (hoje Zimbabué), embora já tivessem
surgido outras pequenas acções em áreas rurais perto do Parque da Gorongosa,
mas sem vítimas.
É
de referir que a população civil branca, nas zonas aonde ainda não se
manifestara a guerrilha, tinha uma atitude de indiferença em relação à guerra
em Moçambique e uma relação de distanciamento (por vezes mesmo de “segregação”)
relativamente aos militares metropolitanos, dos quais, no entanto, aproveitavam
os proventos financeiros, desde o seu peso no comércio local e territorial até
à actividade da construção civil e indústrias afins, passando pelos
frequentíssimos “jeitos” de cambiar moeda local em moeda nacional, bem mais
valiosa.
Assim,
sentindo que a guerrilha lhes começava a aparecer “no quintal” despertaram para
a sua existência, assustaram-se e indignaram-se contra quem julgavam estar ali
de veraneio.
É
preciso dizer-se que a Beira, por ser a porta de entrada em Moçambique para
quem vinha da então Metrópole por via aérea e também por ter um porto marítimo
ao qual estava ligada uma das suas principais vias férreas (a que ligava a
Beira à Rodésia do Sul e a Moatize, perto da cidade de Tete) de penetração numa
das principais zonas de guerra, embora não tivesse a importância militar que
tinha a cidade de Nampula, sede do Comando Militar de Moçambique, tinha vários
quartéis de relativa pequena dimensão que tinham uma função de retaguarda
importante no apoio às unidades do mato e a todos os militares de passagem.
A
messe de oficiais do Exército, situada no Macúti em frente da praia do Estoril,
era para os oficiais de passagem também local de um pequeno descanso de um ou
dois dias. Mas não era um local de férias, como a população civil poderia
julgar, embora aí residissem algumas esposas de oficiais que andavam em
operações no interior.
14 de Janeiro de 1974 - Acção da Frelimo na zona do Chimoio (ex-Vila Pery), no Centro de
Moçambique, de que resultou a morte da mulher de um fazendeiro branco, facto
que provoca larga agitação e protestos dos agricultores brancos da região.
15 de Janeiro de 1974 – Manifestação de desagrado de fazendeiros e população branca em Manica, Vila Pery, Machipanda e na cidade da Beira, Moçambique, com insultos às Forças Armadas e encerramento dos estabelecimentos em forma de protesto.
15 de Janeiro de 1974 – Telegrama de protesto dos fazendeiros de Manica (Moçambique) ao Presidente do Conselho.
16 de Janeiro de 1974 – Funeral
da vítima da
fazenda Águas Frescas, em Manica, seguido de manifestação de protesto de
colonos brancos junto do encarregado do Governo e encerramentos dos
estabelecimentos.
16 de Janeiro de 1974 – A Associação Comercial da Beira convoca uma manifestação de protesto contra a inoperância dos militares, para o dia 17 de Janeiro.
16 de Janeiro de 1974 – A Associação Comercial da Beira convoca uma manifestação de protesto contra a inoperância dos militares, para o dia 17 de Janeiro.
17 de Janeiro de 1974 –
Duas manifestação de desagrado da população branca na cidade da Beira, Moçambique,
às 8 horas e às 21 horas, com encerramento dos estabelecimentos comerciais,
insultos e acusações às Forças Armadas de fazerem «turismo»,
pedindo repressão ao terrorismo e apoio de armamento para os civis e meios de
comunicação, com confrontos físicos com a Polícia Militar e vários feridos.
17 de Janeiro de 1974 – General
Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas,
parte para Moçambique a fim de se inteirar das graves confrontações entre a
população branca e o Exército.
18 de Janeiro de 1974 –
General Costa Gomes, CEMGFA, chega à cidade da Beira Moçambique, às 15h30.
18 de Janeiro de 1974 – Nova manifestação (nocturna) de desagrado da população branca na cidade da Beira, Moçambique, junto da messe dos oficiais, do Comando Territorial do Centro e do Chefe do Estado-Maior, acusando as Forças Armadas de passividade. Suspeita-se que a manifestação foi organizada com implicação de Jorge Jardim e elementos da PIDE/DGS.
18 de Janeiro de 1974 – Nova manifestação (nocturna) de desagrado da população branca na cidade da Beira, Moçambique, junto da messe dos oficiais, do Comando Territorial do Centro e do Chefe do Estado-Maior, acusando as Forças Armadas de passividade. Suspeita-se que a manifestação foi organizada com implicação de Jorge Jardim e elementos da PIDE/DGS.
19 de Janeiro de 1974 – Nova manifestação (nocturna) de desagrado da população branca na cidade da Beira, Moçambique, acusando as Forças Armadas de passividade.
19 de Janeiro de 1974 – Carta do Movimento de Capitães de Moçambique para a direcção do Movimento dos Capitães em Lisboa, sobre o «enxovalho das Forças Armadas».
19
de Janeiro de 1974 – Conferência de imprensa de Joana Francisco Semião,
dissidente do COREMO e da FRELIMO, onde renuncia ao «uso
da violência como o único meio para resolver os conflitos com vista à obtenção
dos mais elementares direitos humanos dentro do Estado de Moçambique»,
apoiando «com plena
satisfação» as justas «medidas
decididas e tomadas pelo governo do Professor Marcello Caetano relativamente a
Moçambique».
21 de Janeiro de 1974 – A Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães de Moçambique envia para Lisboa um telegrama a descrever os acontecimentos da Beira, exortando o Movimento a declinar as responsabilidades pela situação política e militar que «ameaça» prolongar-se «em desprestigio das Forças Armadas».
21 de Janeiro de 1974 – Encontro entre o general António de Spínola e o major Otelo Saraiva de Carvalho e capitão Vasco Lourenço, sendo abordada «a indignação que suscitaram» os acontecimento de Moçambique e a intenção do Movimento dos Capitães de difundir uma circular sobre o assunto.
22 de Janeiro de 1974 –
Reunião da direcção do Movimento dos Capitães para apreciar a situação em
Moçambique.
22 de Janeiro de 1974 – Jorge Jardim define o planeamento de aplicação do Programa de Lusaca, admitindo o recurso a um golpe de Estado em Moçambique.
22 de Janeiro de 1974 – Jorge Jardim define o planeamento de aplicação do Programa de Lusaca, admitindo o recurso a um golpe de Estado em Moçambique.
23
de Janeiro de 1974 – O Movimento dos Capitães de Moçambique apresenta ao Comandante-Chefe das
Forças Armadas uma exposição denunciando os acontecimentos da Beira, pedindo
medidas para que as Forças Armadas «não fossem enxovalhadas»,
enjeitado a possibilidade de serem consideradas «bode expiatório» e declinando responsabilidades na
situação criada. Esta exposição foi assinada por 180 oficiais.
23 de Janeiro de 1974 – O Grupo de Democratas de Moçambique, liderado por Nunes de Carvalho, expõe as suas preocupações ao general Costa Gomes, durante a visita à Beira, com duras críticas ao regime.
23 de Janeiro de 1974 –
Publicada a circular n.º 1/74 do Movimento dos Capitães sobre os acontecimentos da Beira,
apelando a que cada militar «dentro das mais estritas regras da
disciplina» se
empenhe na exigência de um desagravo à instituição.
24
de Janeiro de 1974 – O Movimento dos Capitães de Moçambique, através do capitão
Mário Tomé, envia uma carta para o Movimento em Lisboa,
versando os acontecimentos da Beira, dizendo que «não
nos contentaremos com meias medidas» perante o «insulto
demasiado profundo», o qual «atingiu a própria Nação»,
concluindo que «não podemos continuar a combater por
uma causa que a grande maioria da própria Nação não deseja ou não apoia».
27 de Janeiro de 1974 – Abaixo-assinado elaborado pela comissão regional do Movimento dos Capitães na Beira, Moçambique, sobre os últimos acontecimentos.
29 de Janeiro de 1974 –
Reunião da direcção do Movimento dos Capitães, com a presença do major
Otelo Saraiva de
Carvalho, major Vítor Alves, capitão
Vasco Lourenço e major
Hugo dos Santos, para discutir a situação em Moçambique, sendo
decidido manifestar toda a solidariedade com qualquer atitude levada a cabo
pelos militares em serviço naquele território.
29
de Janeiro de 1974 – A comissão do Movimento dos Capitães em Nampula, Moçambique, envia um
relato circunstanciado dos acontecimentos da Beira, para Lisboa e para as
comissões regionais.
30
de Janeiro de 1974 – Reunião entre o general Francisco Costa Gomes, CEMGFA, eng.º Manuel Pimentel dos Santos, governador-geral de
Moçambique, e o general Tomás Basto
Machado, comandante-chefe de Moçambique, para analisar a
situação no território, onde foi aflorada a hipótese de demissão do
tenente-coronel Sousa Teles, governador do distrito da Beira.
5 de Fevereiro de 1974 – Chegada a Lisboa de Jorge Jardim para conversações com o
Governo sobre uma proposta de resolução do problema de Moçambique, supostamente
apoiada pelos dirigentes de alguns países africanos.
2 comments:
Sobre este "post" o meu amigo João Paulo Guerra enviou-me há momentos os extractos «Jardim e a Independência Branca» e «Capitulo IV - Um Parto com Dor», respectivamente dos seus livros MEMÓRIA DAS GUERRAS COLONIAIS (Afrontamento, Porto 1994) e O REGRESSO DAS CARAVELAS (4 edições, a última das quais da Oficina do Livro, Lisboa 2010).
Estes artigos permitem entender com, muito mais pormenor, a razão de ser destas manifestações e, sobretudo, os seus objectivos imediatos e últimos. A entrevista a Costa Gomes, a propósito, é bem clara: a independência branca, à Ian Smith, a curtíssimo prazo e a sequente liquidação física dos guerrilheiros da FRELIMO.
"...e a sequente liquidação física dos guerrilheiros da FRELIMO."
E como se faria isso???!!!
Muito "inteligente!!!
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