Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:
Declaração de interesses: Nunca me senti honrada por, durante muitos anos, no estrangeiro, ao saberem-nos portugueses, nos falarem imediatamente de Eusébio.
Pelo contrário: sempre achei que era uma humilhação mais que nos era inflingida por uma ditadura que perseguira a sua inteligentzia e reduzira a vida cultural portuguesa aos 3 Fs de Fátima, Futebol e Fado. Parecem-me, também, exagerados os três dias de luto nacional decretados pelo Governo a propósito da sua morte. Mas nada disto tem a ver com a pessoa de Eusébio, apenas com a forma como outros utilizaram o seu nome, o abuso que dele fizeram.
A falta de entusiasmo pelo futebol, não me permite, como a outros, falar das alegrias que os seus golos me pudessem ter proporcionado. Mas, nesta hora de unanimismos e identidades nacionais, em que voltam a confundir Eusébio e Portugal, quero contar a pequena história da única vez que vi o jogador: foi há muitos anos, penso que em 1967, junto à estação do Rossio. Ia com um amigo quando o vimos, poucos metros à nossa frente. Gostasse-se ou não de futebol, era impossível não o reconhecer. Chamou-nos a atenção o seu modo de andar e, sobretudo, a posição dos braços: tinha-os dobrados pelo cotovelo, ligeiramente erguidos, movendo-os como se desse pequenos socos numa bola imaginária. Lembrou-nos um boxeur confiante a caminhar para o ringue ou então um gato – uma pantera negra ? – a brincar satisfeito com um novelo de lã suspenso por um fio. O meu amigo era moçambicano: falou-me do passado de menino pobre de Eusébio, com uma ternura de patrício, não de adepto. Era por esse menino que nos alegrava, enquanto o seguíamos, o seu caminhar confiante. Passámos depois, poucos metros atrás dele, em frente a um café, o Nicola, talvez. E da esplanada uma voz gritou: «Eh, mainato!» Mainato, eu sabia, era o nome dado aos criados em Moçambique. O pantera negra parou, o corpo perdeu a arrogante alegria e respondeu, humilde, num tom baixo, quase murmúrio: «Sim, minino?»
Foi a única vez em que me apeteceu bater em alguém por causa de um jogador de futebol.
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4 comments:
Isto está muito complicado para explicar à rapaziada dos cachecóis.
É que de Gungunhana até Eusébio, passando por João Maria Tudela há tanta história que é difícil resumir à rapaziada os diversos olhares, tanto à esquerda como à direita.
Gostei do comentário do septuagenário porque, de facto, há coisas que é difícil resumir, não porque sejam longas, mas porque pertencem a mundos tão diferentes que se torna quase impossível traduzir o texto ideológico de um para o outro.
À pergunta honesta, quem terá razão? só se pode dar uma resposta honesta: cada um tinha (e tem) a sua razão - e são incompatíveis.
De facto, podemos abordar o "fenómeno Eusébio" de múltiplas perspectivas. Que o antigo regime se serviu dele, é um facto; que simultaneamente os portugueses (os do pró e os do contra), lhe admiraram os feitos dento de campo, parece-me irrefutável; agora que não foi indiferente a ninguém, também não foi. Como praticante de desporto que fui na minha juventude, devo confessar que o que mais admiro em Eusébio foi o seu espírito de sacrifício. Jogar lesionado é muito doloroso; jogar infiltrado está para além do humano. Mas eu fiz desporto e percebo que quem não o tenha feito possa não se aperceber do que aqui está em causa. E é aqui que, para além da carga pejorativa que o termo contém e do apetite que dá esbofetear quem o proferiu, de facto, há qualquer elemento de subalternidade no martírio que refiro. Como já confessei, gosto de futebol. Sou sportinguista desde que me conheço. Estranhamente, estou a escrever sobre um adversário que o miúdo de seis, sete e oito anos que era também quis ser. Estranhamente, e embora nutra um grande respeito, enorme admiração, por homens como Salgueiro Maia ou Álvaro Cunhal, por exemplo, nunca quis ser como eles. Devo muito a estes últimos e são dívidas que terei de pagar ao próximo pela impossibilidade de as pagar aos próprios. Mas o Eusébio mostrou-me que há mainatos que se comportam como senhores. Que ha "senhores" que se comportam como mainatos, isso, eu já sabia porque a realidade mo demonstra a toda a hora.
Esta cronica faz pensar que os tres dias de luto em homenagem a Eusebio transcendem o reconhecimento; mostram que os portugueses se vergam (de respeito) perante um homem que teve que engolir humilhacoes e fazer delas energia para continuar e ensinar que os homens nao se medem aos palmos, nem pela cor da pele, nem pelo nivel de escolaridade...
Este Homem fez bem o que fez, em nome de quem nao o respeitava e se imortalizou. Um grande homem que merece bem TODAS AS HOMENAGENS E TODO O RESPEITO, mesmo de quem um dia nao teve melhor nome para ele a nao ser "mainato"!
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