9.6.14

Uma maioria, um governo, um presidente, uma Constituição



Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:

Incapaz de compreender todo o alcance da lesão de Cristiano Ronaldo – pesem embora os muitos minutos, se não horas, de televisão que lhe são dedicados – optei por leitura mais leve, embora eventualmente subversiva: a da Constituição da República Portuguesa.

Não que me queira arrogar a capacidade de sustentar intensas discussões jurídicas sobre o tema. Mas tenho por bom conselho, em tempos de acesa discussão, retornar às fontes. Uma vez que o primeiro-ministro considerou que os juízes do Palácio Ratton deveriam ser sujeitos a maior escrutínio, teria eu, por distracção, passado em claro alguma mudança do método de escolha dos juízes do Tribunal Constitucional? Mas não, lá está, na alínea h do artigo 163: dez dos seus 13 elementos são eleitos por maioria de dois terços da Assembleia da República e, na alínea 1 do artigo 222, que os restantes três são cooptados pelos eleitos. Pergunto-me se o primeiro-ministro passaria pelo mesmo crivo...

A leitura da Constituição permitiu-me ver também, no artigo 13, o Princípio da Igualdade e o artigo 19 a garantir que «os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de emergência, declarados na forma prevista na Constituição» – o que me parece que, apesar da crise, da troika, do ar grave do primeiro-ministro e do seu vice e, até, da lesão de Cristiano Ronaldo, não aconteceu.

O que aconteceu, sim, foi que se cumpriu o desejo de Sá Carneiro de uma maioria, um Governo e um Presidente e, entre os três, se tem vindo a gizar algo com que o antigo primeiro-ministro não terá sonhado – a sabotagem das bases do Estado Constitucional, limitando os direitos e garantias dos cidadãos, pondo em causa órgãos e princípios constitucionalmente consagrados, numa espécie de golpe de Estado palaciano sob a forma continuada.

Escrevendo no Jornal de Notícias, há cerca de um ano, sobre a resposta do Governo a outro «chumbo» do Constitucional, o jurista Pedro Bacelar de Vasconcelos falou mesmo de «terrorismo administrativo e financeiro». Por parte do Governo, entenda-se.

Voltando às fontes: aconselho Malaparte, Técnica do Golpe de Estado.


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