22.7.14

Amnésia



«No seu notável livro sobre a I Guerra Mundial, o historiador Christopher Clark, designa os dirigentes políticos europeus, que conduziram os seus povos à hecatombe bélica de 1914-18, como "sonâmbulos" (Sleepwalkers). Talvez um historiador futuro, tentando classificar a liderança europeia que desde 2008 tem adiado as decisões necessárias para salvar a UE, encontre em "amnésicos" um adjectivo mais adequado. Amnésicos, porque esqueceram que garantir uma ordem livre, justa e pacífica é o objectivo vital da Europa, e também o único meio de dar um sentido ao sacrifício de 60 milhões de vidas em duas guerras mundiais, com ignição europeia. Amnésicos, porque transformaram uma união monetária, que deveria ser um instrumento de prosperidade, numa prisão de povos, restaurando a hierarquia dos Estados europeus de um modo brutal, acentuando assimetrias, e reabrindo cicatrizes e hostilidades antigas. Amnésicos também porque esqueceram não só as lições das guerras travadas (entre 1914 e 1945) como os ensinamentos da guerra evitada com o desmantelamento pacífico da URSS, sob a liderança de Gorbachev e Ieltsin. A guerra civil na Ucrânia, com o seu cortejo de violências e ignomínias, deve-se em muito à irresponsável conduta de alguns governos europeus (falando abusivamente em nome da UE) que lançaram mais combustível para a fogueira que deveriam ter ajudado a apagar. Só se pode desejar que o horrível massacre dos inocentes no voo malaio possa levar os amnésicos a uma redentora lucidez. Só a diplomacia poderá não só garantir a justiça como parar uma escalada militar, que, no limite, voltaria a colocar a Europa, quase trinta anos depois do fim da guerra fria, debaixo da ameaça das armas nucleares. Uma ameaça latente, mas inteiramente operacional.» (Realces meus.)
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Viriato Soromenho-Marques

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