«Há muitos anos o grande grupo português A Banda do Casaco gravou um tema ácido: "O Enterro do tostão". Foi antes do fim do escudo, foi anterior ao nascimento do euro.
É do tempo em que a televisão não era a cores, mas era a preto e branco. Simbolizava a descrença com os sonhos nascidos em 1974. (...)
Estávamos em 1978 e caminhávamos para a primeira intervenção do FMI em Portugal. O jardim, excepto nalguns momentos de fotossíntese, nunca deixaria de estar ao Deus dará. O enterro do tostão era, na realidade, o dobrar dos sinos por todas as esperanças. Portugal não aprendeu nada. Os portugueses substituíram o mar como destino, pela terra europeia onde eram considerados o fim do mundo. (...)
O dinheiro fácil foi o oásis no deserto de ideias, o sucesso próprio o seu salvo-conduto. Por isso voltamos a ter cada vez mais portugueses fora. Só que desta vez não voltarão. Nem para comprar uma casa na província, nem mandando remessas chorudas. (...)
A forma como a moral e a ética são tratadas ao pontapé. O enterro definitivo do tostão é isso. É o enterro final da ilha dos Amores que Camões sonhava ser o destino de Portugal: quando os portugueses seriam deuses por terem desafiado tudo com o seu vigor e trabalho. Vive-se o fim de uma era e não se vislumbra uma substituta. Só se vê um pântano, onde os interesses de um reduzido círculo de poder tudo impõem, onde nas PPP as mesmas pessoas estão dos dois lados da barricada, onde os ministros passam a administradores e estes a ministros, onde a desigualdade social atira-nos para o Portugal a preto e branco dos anos 60.
Um país que continua a viver dos impostos e do comércio externo. E da esperteza e do contrabando. Olha-se à volta e todas as esperanças estão a ser enterradas. Perante o olhar impávido da classe política e o salve-se quem puder de quem deveria e poderia criar riqueza. Estamos ao Deus dará.»
Fernando Sobral, no Negócios.
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