9.9.14

Culpas e culpados



Joaquim Aguiar, no Negócios de hoje, a propósito do caso Ricardo Salgado:

«Um dispositivo de defesa de que se podem servir as sociedades que mergulham numa crise de grande intensidade é a identificação de um bode expiatório, aquele que pode ser denunciado como o "culpado disto tudo" e cujo sacrifício, real ou ritual, constituirá a absolvição do colectivo: a acusação de um é a prova da inocência de todos. A sociedade poderá mudar de rumo e continuar sem ter de mudar os seus comportamentos, as suas expectativas e as suas estratégias – até à próxima crise de grande intensidade, onde se voltará a procurar o culpado disso tudo para que o colectivo possa continuar a dizer-se inocente.

É por a história de cada crise de grande intensidade ser mal contada que essas crises se repetem. Para que haja um culpado disto tudo, é preciso que muitos tenham colaborado e participado, mas também é preciso que a sociedade tenha convivido com tudo isto como se esta fosse a ordem natural das coisas. Quando se recorre ao dispositivo do bode expiatório é porque não se quer interpretar o que aconteceu.

A única defesa eficaz contra crises de grande intensidade é o regular funcionamento das instituições e, em primeira linha, a responsabilidade dos agentes políticos para manterem as sociedades dentro do seu campo de possibilidades. Quando os partidos do regime esquecem esta responsabilidade, abrem o caminho aos bancos do regime e aos homem-bomba: mas quem abre a porta tem mais culpa do que quem passa o pórtico das imparidades.»
.

2 comments:

vmsda disse...

"... também é preciso que a sociedade tenha convivido com tudo isto como se esta fosse a ordem natural das coisas." A julgar pelo tom e conteúdo das suas crónicas, Joaquim Aguiar não só conviveu como incentivou o convívio que agora "denuncia". Pura hipocrisia.

"... quem abre a porta tem mais culpas do que quem passa o pórtico das imparidades." Um ladrão não se desculparia com maior desfaçatez, e até era capaz de levar a vítima a tribunal. Hipocrisia pura.

Joana Lopes disse...

V., distingo mensagem do mensageiro e acho a mensagem bem transmitida.