Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena1:
Há uma semana, na minha última crónica, depois de referir uma grande operação policial no bairro 6 de Maio, perguntava-me o que apreenderiam operações semelhantes em outros bairros de outras zonas de Lisboa. Houve quem mo recordasse, após as primeiras detenções da chamada Operação Labirinto. Mera coincidência, respondi. Mas talvez nem tanto. Antes um reiterado mal-estar pelo modo como tão naturalmente se olham como suspeitos habitantes de bairros degradados, e se aceitam como acima de qualquer suspeita os moradores de outros bairros; como tão rapidamente se fecham as portas a imigrantes que buscam entre nós uma vida melhor, dispostos a pagá-la com o suor do seu rosto e os impostos que lhes sejam aplicáveis, e se abrem, com vénia, a quem quer que traga, na bagagem, os quinhentos mil ou o milhão de euros necessários à compra de um visto dourado.
Admito que, na base desse mal estar, esteja não só a dúvida metódica criada pelo facto de que são raros os cidadãos que, tendo trabalhado legal e duramente toda a vida, dispõem de semelhantes quantias, mas também a memória de frases antigas, desde a proudhoniana “a propriedade é o roubo” à bíblica “é mais fácil um camelo passar pelo fundo duma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Mas há uma memória mais recente, a da circular 14, em plena Segunda Guerra Mundial, em que o Ministério dos Negócios Estrangeiros, então chefiado por Salazar, ordena que “com respeito a todos os estrangeiros devem os cônsules procurar averiguar se têm meios de subsistência”.
Pragmatismo? Defesa do interesse nacional? Pois talvez. Mas escolher os que sucumbem e os que se salvam pela quantia que têm no banco – ou trazem na mala – repugna-me tanto hoje como no dia em que vi, nos telegramas trocados entre o consulado de Bordéus e o MNE em Lisboa, a referência à conta bancária a acompanhar o pedido de autorização para a passagem de um visto.
Temo, no entanto que os que o fazem continuem a ouvir reverentemente na igreja o Evangelho segundo Mateus e talvez até celebrem, de quando em vez, a memória dos cônsules que recusaram olhar para a conta bancária daqueles que os procuravam na esperança de um visto. E, talvez infantilmente, essa hipocrisia incomoda-me mais do que os proventos que alguns possam ter retirado indevidamente da venda dos vistos dourados.
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1 comments:
Essa do SALAZAR....cara Andringa...é que me parece ferir o texto...quando tantos outros exemplos se podiam ir buscar...Um sjeitinho que nos ultimos 20 anos de vida mais protegeu os ricos e mais empobreceu os cidadãos....!!!???
M Duran Clemente
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