11.11.14

Orçamento de pobreza


Texto de Sandra Monteiro, em Le Monde Diplomatique (ed. Portuguesa) deste mês:

«A principal aposta tem de ser nas empresas e na iniciativa privada, porque o Estado tem escassez de recursos e uma dívida muito elevada para pagar, o que obriga a continuar a reduzir o défice e a conseguir excedentes primários que permitam reduzir a dívida», afirmou a ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque na sessão de encerramento, a 1 de Novembro, da V Convenção Social-Democrata do Distrito de Setúbal. É um resumo muito elucidativo do quadro de escolhas que o Orçamento de Estado para 2015 reflecte, em absoluta continuidade com os vários orçamentos de austeridade a que o país tem sido sujeito. A dívida, muito elevada, cada vez mais elevada – é esse o negócio do crédito e dos juros –, é «para pagar». Canalizar os recursos para esse pagamento serve de «justificação» à retirada do Estado das suas missões sociais e do investimento público e de «legitimação» da prioridade dada à iniciativa e interesses privados. As metas orçamentais definidas, mesmo que todos saibam que são irrealistas, não servem para afrontar os tratados que as impõem nem para escolher a democracia e o bem-estar social contra a ditadura do défice, mas antes para justificar o enésimo reforço da austeridade.

De facto, o que o governo de Pedro Passos Coelho propõe para 2015 é mais um orçamento de pobreza. Austeridade sobre austeridade, empobrecimento sobre empobrecimento, desespero sobre desespero. A soma dos anos não é puramente quantitativa; é qualitativa e mostra uma comunidade em colapso. Palavras agora usadas pelo primeiro-ministro como «rigor», «responsabilidade», «recuperação» ou «sustentabilidade» são areia lançada para os nossos olhos. Pretendem impedir-nos de ver, mas causam sobretudo dor, tal é o choque com a realidade do desemprego, da precariedade, dos baixos salários, da emigração forçada, da carência e da pobreza.

As políticas de austeridade condensadas na proposta de Orçamento de Estado para 2015, escolhendo o partido dos credores financeiros e dos que lucram com a arquitectura monetária e dos tratados europeus, acentuam os problemas da economia e a trajectória de empobrecimento do país. Causam nova pobreza e desistem de retirar dela os que foram para lá atirados. Portugal, além de ser dos países mais desiguais, tem níveis cada vez mais assustadores de pobreza. Os dados mais recentes do Eurostat indicam que, em 2013, estavam em risco de pobreza ou exclusão social 2,88 milhões de portugueses, ou seja, 27,4% da população. O risco de pobreza traduz situações de «privação material severa» ou de inserção num «agregado familiar com baixa intensidade de trabalho», afectando de forma muito particular, porque há muitos anos superior ao do resto da população, o segmento dos que têm menos de 18 anos de idade. Com efeito, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2013 o risco de pobreza afectava 31,6% das pessoas dessa faixa etária. Mas, segundo o INE, este risco não se distribui de forma homogénea: penaliza sobretudo as crianças com pais menos escolarizados, chegando aos 37,5%, em 2012, nas famílias em que os pais só completaram, no máximo, o ensino básico – além de se agravar no caso de famílias numerosas ou monoparentais.»

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