12.2.15

Neste país pouco original do medo


Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1: 

Ah o medo vai ter tudo, tudo (Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer) O medo vai ter tudo, quase tudo e, cada um por seu caminho, havemos todos de chegar, quase todos, a ratos.

Alexandre O’Neill escreveu o «Poema pouco original do medo» quando vivíamos em ditadura e o medo das autoridades era o meio de controlo exercido sobre nós desde crianças. Em 25 de Abril de 1974, acreditámo-nos livres desse medo. Em democracia, poderíamos vigiar e prevenir os abusos de poder. Mas pouco mais de 30 anos tinham passado quando um jovem negro, morador na Amadora, me disse que a filha, então de uns três anos de idade, tinha esse medo que julgáramos banido para sempre: medo de homens fardados. De polícias.

O que na semana passada aconteceu na Cova da Moura justifica o medo da menina. E perturba-me mais do que antes do 25 de Abril de 1974, porque a violência de Estado era então feita contra mim, contra todos nós. E hoje é em nosso nome, da nossa segurança, do nosso medo, que essa violência é aplicada.

Um medo criado, em grande parte, pelo abuso das palavras. Em 2005, um incidente em Carcavelos agigantou-se em arrastão. Dez anos depois, a entrada de meia dúzia de jovens desarmados numa esquadra torna-se uma «invasão». São palavras criadas pelo medo que todos os dias nos é incutido sobre o outro, o de outra cor, de outra religião, de outro modo de vida. Medo. Sem medo, que polícia não se cobriria de ridículo ao tratar a entrada de seis jovens desarmados na sua esquadra como uma invasão? Que jornalistas dariam crédito a essa versão? Sem medo, como se explicaria o abuso das palavras e da força contra cidadãos, por parte daqueles mesmos que deviam protegê-los dos abusos? A esta hora já terá tido lugar, frente ao Parlamento, uma manifestação de protesto contra esse medo que se vive na Cova da Moura e em outros bairros do país. O medo dos moradores agredidos, e o medo dos agentes, que os transforma em agressores. Gostaria que fôssemos muitos a dizer alto que não aceitamos a violência policial nem o racismo, a recusar que essa violência e esse racismo sejam exercidas em nosso nome. A recusarmos ter medo e transformar-nos em ratos ou nesses eunucos que, como cantava Zeca Afonso, «quando os pais são feitos em torresmos, não matam os tiranos, pedem mais».




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