«A crise financeira trouxe à tona de água muito do que se escondia no fundo dos rios de Portugal: o estilhaçar do Estado social, a corrupção endémica, a partidarização excessiva que contaminou a administração, a pobreza geral do país (económica, moral e cultural).
A crise vai contaminar os partidos políticos que se sucedem na governação desde o 25 de Abril, numa espécie de condomínio privado, como sucede mesmo aqui ao lado, em Espanha. A destruição acelerada das classes médias, que trocavam a sua segurança pelo voto no PS, PSD e CDS, está a destruir o palco fulcral destes partidos: o centro. A insegurança geral veio para ficar, porque faz parte da globalização. Por isso esquerda e direita, liberais e marxistas, estão confundidos. A política submeteu-se à gestão, os políticos aos técnicos, os visionários aos burocratas. É neste ácido sulfúrico que os partidos do sistema se estão a corroer. (...)
Há uma sociedade em mutação profunda, das relações de trabalho (e este deixou de ter o valor que tinha há décadas) aos comportamentos sociais. E os partidos não entenderam ainda que isto está a demolir os pilares da democracia como eles a entendiam e a partir da qual organizavam o seu assalto ao poder.
A fuga de portugueses deste país mostra que se ainda há uma válvula de escape, isso não durará para sempre. O neoliberalismo global está a destruir a segurança e as obrigações e vínculos. Nenhum emprego está já seguro. Nenhum sistema de segurança pode ser garantido. A "competência" atropela todos os outros valores sobre os quais as sociedades que ainda conhecemos foram construídas. É uma panela de pressão que tem todos os perigos imagináveis. Os partidos políticos portugueses, para lá dos floreados, vão um dia destes confrontar-se com isso.»
Fernando Sobral
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