«Tem sido tema aflorado com cautela, não vá alguém ofender-se. A baixa da cidade de Lisboa foi entregue aos turistas. Não há um restaurante ou pastelaria no Chiado que não tenha fila de loiros. Ainda por cima não sabem comer. Pedem sardinhas com batata frita, fazem sandes de posta de bacalhau e pedem lulas à sevilhana, convencidos de que isto ainda é Espanha. Comem pastéis de nata, sentados ao colo da estátua do Pessoa, vestidos como se fosse Agosto. Ou seja, querem sentir que são de cá, à força. (...)
Lisboa transformou-se num enorme galo de Barcelos com rendas. Uma enorme loja de aeroporto. Uma Joana Vasconcelos com colinas. Toda a baixa é uma loja de "souvenir". Já nem um isqueiro se pode comprar porque: "Só temos para turistas; custa dois euros, mas tem a Torre de Belém." Não há sapatarias, nem livrarias. Há "o melhor pastel de natal do mundo", o "gourmet" da lata de atum, a melhor tarte do mundo, o mais barulhento tuk tuk da galáxia. E há uma voragem gigante para lhes vender tudo. Impingir, impingir, impingir, impingir. Já vendem a luz de Lisboa em frascos de "pickles". Um dia destes, os lisboetas têm de andar mascarados de pastel de nata, ou galo de Barcelos, para terem autorização para andar na rua. É só dar tempo ao tempo. (...)
Eu já só peço o meu galão em alemão, mas aos berros, porque no Chiado uma pessoa não consegue fazer-se ouvir com o barulho dos tuk tuk.»
João Quadros
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