Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:
Foi há mais de 20 anos. Visitando, em trabalho, o Yad Vashem, detive-me frente a fotografias da Revolta do ghetto de Varsóvia. Curioso, o historiador israelita que nos acompanhava perguntou: “Interessa-se especialmente pelo ghetto de Varsóvia?” “É-me mais compreensível”, respondi, “nunca percebi como é que, confrontados com uma política de extermínio, não pegaram mais vezes em armas contra os nazis?” “É o debate entre Massada e Yavné”, respondeu ele, e falou-me do suicídio em massa dos habitantes de Massada, recusando a captura pelo invasor, e do rabi Ben Zakkai, que, contemporizando, conseguiu criar uma escola da Torah em Yavné. “Se não fosse Yavné, quem recordaria hoje a história de Massada?”, perguntou, no final. Respondi com outra pergunta: “E se não fosse Massada, que história teria Yavné para contar?”
Recordei naturalmente esta conversa ao ver, há dias, O último dos injustos, de Claude Lanzman, mas ocorre-me também muitas vezes ao ouvir os noticiários sobre as negociações entre Atenas e Bruxelas. Não por pensar que o governo do Syriza aposte no suicídio – antes pelo contrário! – mas por me parecer que a maioria dos comentadores e até dos noticiaristas gostaria que, em Atenas, pensassem mais em Yavné. Ou, se preferirem, que fossem mais “pragmáticos” e cedessem depressa e sem ruído, que isso de irredutíveis gauleses só fica bem em banda desenhada - mesmo assim, talvez demasiado subversiva para bons alunos. Ao Mourinho ainda se admite que diga que a escola deve ajudar a analisar, a pensar e a discordar, porque está a falar de futebol. Mas aos gregos? Discordar? Que é isso de discordar? Como é que Tsipras e Varoufakis se atrevem a discordar dos conselhos da troika, só porque estes já reduziram à miséria milhares e milhares de pessoas na Grécia? Mas não foram sobretudo os pobres, esses exigentes que querem ter emprego e ser pagos por trabalharem? Os reformados, que se atrevem a ter reformas superiores às portuguesas? Os jovens, forçados à emigração? E então? Não aconteceu o mesmo em Portugal, não empobrecemos também, não ficámos desempregados, não emigrámos, e não mostram as sondagens que há ainda muitos portugueses a preferir a política do bom aluno de quem, a pretexto de os ajudar, os explora?
Foi fácil sermos todos Charlie, sobretudo a quem não fazia cartoons, mas parece ser bem mais difícil sermos todos gregos – quando eles travam, sozinhos, uma luta que também devia ser nossa.
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