25.7.15

A direita radical encontrou o "fim da história" e chama-lhe "realidade"



José Pacheco Pereira, no Público de hoje:

«A direita mais radical descobriu recentemente uma filosofia da história. Como os leitores mais simples de Fukuyama, aqueles que só conhecem o nome e o título do livro, entendeu que se chegou ao “fim da história” e o “fim da história” é aquilo a que chamam “realidade”. Uma espécie de muro existente na física das sociedades e das nações contra o qual se vai inevitavelmente quando se abandona o caminho da “austeridade” e se encontra a TINA, o “there is no alternative”. Uma lei a modos que como a lei da gravidade. (...)

O que é a “realidade” para a qual “não há alternativa”?

Em primeiro lugar, é o que há, o que existe, e a ideia de que o “que existe tem muita força” e legitima-se por existir. Neste pensamento do TINA existe uma espécie de congelamento da história, ? o que se compreende visto que chegou ao “fim”, ? no actual momento europeu, visto que é uma doutrina essencialmente europeia. Não é global, nem americana, nem dos BRICs, nem asiática, vem da Europa e fixa-se na Europa. Mais: fixa-se no estado de coisas europeu dos últimos anos, nem sequer uma década, desde a crise financeira (real) seguida da crise das dívidas soberanas (politicamente gerada). Manifestou-se na conjugação entre resultados eleitorais que deram maiorias a governos de direita, deslocaram os partidos e os governos para direitas mais radicais (visível na economia, mas também no tratamento da emigração, na deriva securitária, etc.), e permitiram uma captura da política pelo sistema financeiro, ou seja pelos mercados. Os mercados não são o que são, são aquilo que o poder político lhes permite ser, pelo menos é assim que devia ser em democracia. (...)

Em segundo lugar, existe uma enorme confusão entre a “realidade” do “fim da história” e o poder. Aquilo que os gregos encontraram à sua frente não foi o muro da “realidade”, foi o muro do poder. O poder no sentido weberiano, a possibilidade de alguém obrigar outrem a proceder contra a sua vontade. Uma das grandes aquisições da crise grega para a consciência europeia, foi a revelação às claras, sem ambiguidade, sem disfarces, da brutalidade do exercício de um poder. Nos nossos dias isto não é desejado pelos poderosos, que gostam de disfarçar o seu poder na discrição e no segredo, onde ele é sempre maior. Ao revelar o poder, enfraqueceu-o. Dos alemães aos parceiros menores como Passos Coelho, saber-se o que fizeram, saber-se o que impediram e vetaram, saber-se o que disseram, nas portas fechadas do Eurogrupo, e perceber-se que o resultado foi uma imposição punitiva de uma política em que ninguém acredita a um governo e a um povo, cria uma situação sem retorno. (...)

Em terceiro lugar, para a “realidade” ser a da TINA, tem que se excluir dessa realidade tudo que a atrapalhe. Em termos europeus e em termos portugueses, isto inclui dois tipos de questões: as chamadas “sociais” e as que geram dúvidas sobre a moral da “realidade”. (...)

Isso é porque a “realidade” é um resultado de um feixe de interesses, hoje muito mais acossado do que esteve no passado recente, logo mais agressivo. O modo como trataram a questão grega é um exemplo de uma enorme cegueira, que se podia quase dizer bem-vinda cegueira se não fosse o custo que tem para os gregos. Que eles caminhem de mão dada ceguinhos para o precipício, não acho mal, mas vão sozinhos.

É que, contrariamente ao que pensam, na questão grega, a realidade impôs-se à “realidade” e fez a história mover-se quando eles a queriam fixa no ponto ideal do seu poder. Sem eles as verem, a não ser na sua agenda punitiva, as coisas estão a mudar e como sempre acontece na história mudam sob a forma de surpresas. Não, a “realidade” não é a história acabada num certo modelo de economia, sociedade e poder. Bem pelo contrário, está a mover-se e mais depressa do que imaginam e não é para o lado da “realidade”. É para o lado de que há “alternativas”.»
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