«As pressões feitas pela troika e, principalmente, pela Comissão Europeia, pelo Eurogrupo e pelo Banco Central Europeu nos últimos anos, no caso da Grécia e de Portugal, significam que todos os que compraram dívida aceitam os juros altos com que vão ser premiados se forem reembolsados, mas não aceitam o risco inerente e querem forçosamente que os devedores paguem, seja como for, nem que seja preciso vender o Pártenon às pedrinhas. E é evidente que muitos dos bancos privados que compraram dívida grega com juro alto o fizeram porque sabiam que, chegado o momento da verdade, haveria uma cartada política que poderiam jogar para obrigar o devedor a pagar, fosse como fosse, ou que os títulos de dívida na sua mão seriam resgatados pelas “instituições”.
O que a negociata das dívidas soberanas mostra é a enorme hipocrisia dos credores, que compram barato (ou seja: emprestam com juros altos) com a justificação moral do risco que assumem, mas depois usam todos os meios ao seu alcance, lícitos ou ilícitos, para garantir o pagamento e para afastar totalmente a possibilidade de default.
A questão é que o default é a única justificação moral possível para os juros altos. Se o default não é admitido pelos credores, então os juros altos também não podem ser admissíveis. Até se pode admitir, em tese, que o default de um estado se torne impossível e que este seja obrigado a vender monumentos e entregar uma libra de carne todos os meses para pagar as dívidas até ao último cêntimo. Mas, se for assim, não há a mínima justificação para os juros altos. Se o default da Grécia não é permitido, então a Grécia deve poder contrair empréstimos com os juros negativos da Alemanha, porque o seu risco será, como o da Alemanha, virtualmente nulo.
Se os juros se mantêm altos e o default não é possível, como acontece agora, deixamos de estar no reino das finanças ou da política. Estamos no reino do racket, da chantagem, da extorsão, do crime organizado, da Máfia. O reino que a União Europeia agora representa.»
José Vítor Malheiros
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