22.7.15

IVG e tortura psicológica



Crónica de Diana Andringa, ontem, na Antena 1:

Na segunda metade dos anos 60, quando as leis vigentes condenavam ao opróbrio ou à miséria não apenas as mães solteiras como os seus filhos, e as mulheres pagavam muitas vezes com a vida o recurso à única forma de aborto existente, o ilegal, uma jovem minha amiga, solteira e grávida, recorreu a um familiar médico para que a auxiliasse. Porque a honra da família era também dele, ele concordou em proceder à interrupção da gravidez – por curetagem uterina, vulgo raspagem, sem anestesia. A sangue frio – para que lhe doesse e aprendesse assim, com a dor, a não manchar a honra da família.

Foi uma das memórias que me fez emocionar-me quando o referendo veio, finalmente, permitir às mulheres deste país a possibilidade de realizar, em segurança, uma Interrupção Voluntária da Gravidez a que, obviamente, não se submetem sem fortes razões.

E foi dessa tortura física infligida por um médico que me lembrei quando vi que alguns milhares de cidadãos pretendem submeter cada mulher que necessite de recorrer a uma interrupção da gravidez à tortura psicológica de ter de ver e assinar uma ecografia do feto, acompanhada de discursos tendentes a fazerem-na sentir culpada da sua escolha.

Segundo a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, é tortura qualquer acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de, nomeadamente (...) a punir por um acto, intimidar ou pressionar (...) desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam infligidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito.

Feto. Porque é esse o nome do embrião na fase de gestação em causa, e não o de “bebé nascituro”, como o classifica o Memorando da Iniciativa Legislativa de Cidadãos, numa manipulação que se estende a todo o texto, desde o titulo, “Lei de Apoio à Maternidade e Paternidade e Pelo direito a Nascer”, que esquece que há casos em que o maior apoio que se pode dar aos pais é, exactamente, permitir-lhes que acedam, sem dificuldades, à IVG, à expressão “grávida em risco de aborto”, utilizando um termo usado para designar quem, por razões de saúde, teme um aborto espontâneo, para alguém que decide, por razões certamente atendíveis, interromper a gravidez.

O que é curioso, neste afã de alterar a Lei de 2007, é que a sua entrada em vigor se traduziu positivamente, não só na diminuição das complicações de saúde e mortes relacionadas com o aborto, como também na diminuição do número de interrupções voluntárias de gravidez. Parece, no entanto, ser coisa de pouca monta. Talvez por ter melhorado, sobretudo, a vida das mulheres.

.

0 comments: